A Justiça Restaurativa no Brasil passa por progressiva expansão e vive uma caminhada de aprendizado, mas encontra resistências para implementar suas metas de participação, alteridade, reparação de danos e redução das violências.
Essa é uma das conclusões da pesquisa “Pilotando a Justiça Restaurativa: o Papel do Poder Judiciário”, coordenada pela doutora Vera Regina Pereira de Andrade da Fundação José Arthur Boiteux, instituição ligada à Universidade Federal de Santa Catarina. O sumário executivo pode ser acessado aqui.
A pesquisa foi desenvolvida pela instituição como parte da 2ª Edição da Série “Justiça Pesquisa” realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ e que traz análises e diagnósticos dos problemas estruturais e conjunturais dos diversos segmentos do Poder Judiciário pesquisados pelas entidades contratadas. Os trabalhos resultantes da série foram apresentados em seminário realizado pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do CNJ nesta quinta-feira (19/10) e as íntegras serão disponibilizadas em breve no Portal do CNJ.
Os pesquisadores se debruçaram sobre a teoria, a prática e o sentido da Justiça Restaurativa no Brasil, para procurar mostrar como são desenvolvidos os programas de Justiça em curso no Brasil pilotados pelo Poder Judiciário, desde as suas primeiras experiências em 2004 até os dias de hoje.
A pesquisa identificou e mapeou a existência de programas em 19 estados do país, além de estados em que os programas se encontram em fase preparatória. A partir deste recorte, selecionaram sete unidades da federação: Rio Grande do Sul (Porto Alegre, Caxias do Sul, Santa Maria, Novo Hamburgo e Lajeado); São Paulo (São Paulo, Santos, Laranjal Paulista, Tatuí, Tietê); Distrito Federal (Núcleo Bandeirantes e Planaltina); Bahia (Salvador); Pernambuco (Recife); Minas Gerais (Belo Horizonte); e Santa Catarina (Florianópolis), no total de 16 municípios e mais de 20 unidades jurisdicionais ou polos visitados.
Os quatro critérios que definiram a seleção do campo foram: o tempo de experiência, a atualidade, a representatividade regional e a diversidade de experiências quanto às competências (infância e juventude, adultos, violência doméstica) e mesmo aos espaços (Educação, Segurança Pública, Poder Judiciário e Sistema Penitenciário, espaços onde há algum protagonismo do Poder Judiciário na implementação da Justiça Restaurativa).
A coleta de informação foi feita por meio de visitas (observação não participante), entrevistas, pesquisa documental, grupos focais ou rodas de conversa e identificação de boas práticas ou “práticas promissoras”.
A partir de então, os pesquisadores chegaram a várias conclusões e derrubaram alguns mitos.
Conclusões
A Justiça Restaurativa não foi ainda internalizada como uma política pública e ou judiciária de estado, mas de gestão. Assim, a cada mudança de gestão nos respectivos tribunais deve ser feito um retrabalho para se sustentar a importância da Justiça Restaurativa e de sua manutenção.
Não se pode afirmar que se trata da consolidação de novo paradigma de juridicidade, muito menos de sociabilidade, mas de paradigma emergente, em construção, que reúne teorização e operacionalização de projetos que se desenvolvem em caráter atomizado, com perspectivas e recursos institucionais muito diversificados, com escassa interação entre si.
A hegemonia das iniciativas pertence hoje, ao que tudo indica, a técnicas como os Círculos da Paz, seguidos pelos Círculos Restaurativos, pela Mediação vítima-ofensor, pelas Conferências e, começando a ganhar espaço no campo, as Constelações Familiares.
Mitos
Domina a visão de que a Justiça Restaurativa pode concorrer para desafogar o judiciário, por ser uma justiça informal mais simplificada e célere. Nada mais superficial diante dos achados do campo. A Justiça Restaurativa tem o seu tempo e não pode ser atropelada pelo produtivismo.
A Justiça Restaurativa, tomada em sua plenitude, não é uma Justiça célere, mas é uma justiça exigente, processual. E pode ser inclusive até mais demorada do que a justiça punitiva, dada a necessidade de um número maior de encontros para se obter resultados positivos. E é esta temporalidade um dos fatores responsáveis pela dificuldade de trazer as vítimas aos procedimentos.
Entende-se que a Justiça Restaurativa apenas se presta a crimes e infrações menos graves ou de menor potencial ofensivo, o que ganhou força no Brasil a partir dos Juizados Especiais Criminais.
Os mitos anteriores parecem derivados, em grande medida, do mito central: o da Justiça Restaurativa como “método” consensual de resolução de conflitos. Domina a compreensão de que a Justiça Restaurativa é um método que se presta a oferecer uma prestação pontual, um produto pacificador. Daí o mito derivado de que, resolvendo, estará evitando a “criminalidade”, a “reincidência” e a “vitimização”.
Rivadavia Severo
Agência CNJ de Notícias