O Judiciário amazonense deve implementar uma série de medidas nos próximos seis meses para reestruturar a justiça criminal e o sistema prisional do estado, segundo definiu o plenário do Conselho Nacional de Justiça em sua 68ª Sessão Virtual Extraordinária, aprovou, na segunda-feira (12/9). A lista de providências abrange a retomada das audiências de custódia em modo presencial em todo o estado, a revisão da situação processual para garantir a liberdade das pessoas com penas cumpridas, e a reavaliação da permanência nos estabelecimentos penais de minorias em situação de vulnerabilidade, como gestantes, indígenas e migrantes, entre outras mudanças.
Acesse o Relatório de Inspeções a Estabelecimentos Prisionais do Estado do Amazonas e o Relatório de Correição Extraordinária no Tribunal de Justiça do Amazonas
Em maio de 2022, o TJAM passou por uma inspeção conduzida pela Corregedoria Nacional de Justiça e pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ). Foram verificados os sistemas informatizados em uso na justiça criminal e visitadas as unidades prisionais do estado, inclusive as administradas em regime de cogestão entre o Executivo local e a iniciativa privada. Além disso, as equipes inspecionaram carceragens de delegacias da Polícia Civil, totalizando diligências em 21 estabelecimentos de privação de liberdade, na capital e interior.
Após examinar o contexto do sistema prisional amazonense, DMF e Corregedoria Nacional submeteram o diagnóstico ao Plenário do CNJ, que aprovou o conjunto de determinações direcionadas ao tribunal e de recomendações destinadas aos outros órgãos que compõem o sistema de justiça penal.
Situações identificadas
Durante a missão, constatou-se que as audiências de custódia estavam sendo realizadas por videoconferência mesmo após a superação do contexto emergencial imposto pela pandemia de Covid-19. Além da retomada das audiências presenciais, o relatório determina ao TJAM a implantação do atendimento psicossocial prévio e posterior às audiências de custódia, na capital e no interior do estado. Outra determinação do CNJ diz respeito ao aprimoramento da aplicação da monitoração eletrônica.
Para não agravar a situação de superlotação do sistema prisional do estado, que, no fim do ano passado, indicava haver taxa média de 152,9% de ocupação nas unidades prisionais, o tribunal precisará priorizar a concessão de penas e medidas alternativas, conforme previsão legal. A Justiça deverá liderar um esforço para reverter o quadro de precariedade encontrado na unidade prisional de Coari e no 77º Distrito Integrado de Polícia de Novo Airão, “avaliando-se, em situação extrema, a eventual interdição da unidade”.
Em Coari, 102 pessoas dividiam 50 vagas, em camas improvisadas com tábuas e colchões, pois as celas não tinham beliches. Já na Delegacia do 77º Distrito Policial no Município de Novo Airão, a equipe da correição encontrou 28 homens mantidos em um espaço de 20 metros quadrados, sem ventilação ou iluminação adequadas.
Outra determinação do Plenário do CNJ é de que as inspeções mensais da magistratura às unidades prisionais devem ser retomadas conforme determina a Lei de Execução Penal e regulamenta a Resolução CNJ n. 47/2007, para verificação das condições dos estabelecimentos e saneamento das irregularidades. A qualificação da inspeção prisional tem o apoio do técnico do programa Fazendo Justiça, parceria em andamento desde 2019 entre o CNJ e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), com apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, para incidir em desafios no campo da privação de liberdade em todo o país.
Na área de sistemas informatizados, a justiça criminal do Amazonas deverá sanear os dados constantes do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP) para evitar prisões ilegais e registros desatualizados. Um mutirão deverá revisar os processos de todos os presos provisórios e condenados para verificar se há prazos vencidos ou penas cumpridas. A Justiça deverá, ainda, promover o fluxo de entrega dos relatórios de estudo e trabalho que garantem aos presos redução no tempo de pena.
Vulnerabilidade
A missão conjunta teve especial atenção à situação dos grupos específicos e vulneráveis dentro do sistema prisional, como mulheres, indígenas e população LGBTQIA+. Nesse aspecto, ficou determinado que a Corregedoria da Justiça estadual deverá buscar “a aplicação imediata da Resolução CNJ n. 369/2021, que estabelece diretrizes para a substituição da privação de liberdade de gestantes, mães, pais e responsáveis por crianças e pessoas com deficiência”.
Outras resoluções do CNJ que precisam ser aplicadas efetivamente, de acordo com a decisão do Plenário, determinam a atenção ao tratamento jurídico-penal diferenciado das pessoas indígenas e à “excepcionalidade extrema do encarceramento indígena”, aplicando os direitos previstos na legislação internacional e no Estatuto do Índio e a regulamentação das Resoluções CNJ n. 287/2019 e 454/2022. Além disso, determinou-se a adequação do tratamento diferenciado à população LGBTQI que estejam no sistema (Resolução CNJ n. 348/2020) e aos migrantes com processos na justiça criminal brasileira (Resolução CNJ n. 405/2021).
Também foi afirmado que as pessoas com sofrimento e/ou transtorno mental e com doenças infectocontagiosas precisam ter assegurado o acesso à saúde integral, com atuação dos juízes corregedores das unidades prisionais que abriguem essas pessoas. Deverá, ainda, ser realizado pelo TJAM, um mutirão para revisão de todos os casos de medida de segurança de pessoas internadas ou presos comuns alocados na enfermaria psiquiátrica em outros estabelecimentos prisionais com sofrimento e/ou transtorno mental.
Outras recomendações
Segundo o relatório, há outras demandas a serem observadas, como a precariedade na assistência jurídica, insuficiência do atendimento pela Defensoria Pública, excessos de prazos de cumprimento de alvarás de soltura, atrasos no reconhecimento de progressões de regime e não observância da normativa ligada à remição de pena pelo trabalho.
Identificaram-se, ainda, irregularidades na distribuição de água, alimentação, uniformes e energia elétrica, revista vexatória nos visitantes e familiares, falta de contato com o mundo exterior, enfermidades não tratadas, sanções coletivas, maus-tratos e tratamento desumano e degradante com pessoas presas e visitantes. Além disso, especialmente no interior do estado, pessoas seguem presas em carceragens de delegacias.
Além das determinações aprovadas em plenário ao Judiciário local, o CNJ emitiu uma série de recomendações à administração prisional e aos demais órgãos que atuam no campo penal, como o Ministério Público do Estado e a Defensoria Pública do Amazonas. O TJ deverá formar um grupo de trabalho para monitorar as recomendações e informar o CNJ ao final de seis meses.
Texto: Manuel Carlos Montenegro
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias