Língua Portuguesa top – Uma tradução da Ilíada

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Nesta primeira semana do penúltimo mês do ano, é hora de conhecer outro exemplo de uso sofisticado da língua portuguesa. A seguir, você lerá trecho do canto XXII da Ilíada de Homero, na tradução de Manoel Odorico Mendes, que serve para nos lembrar do universo infinito que nossa língua é, o qual não pode ser abandonado aos livros e que deveria estar presente no nosso dia a dia. Curta os instantes finais da luta entre Heitor e Aquiles: 

______________________________________________________________________________________________________ […] Mas Heitor inconcusso espera Aquiles,

Que agigantado assoma. Ao viandante

Se pascida em má grama espreita a cobra,

Fica assanhada e a vista acende horrível

A enrolar-se na toca: Heitor não menos,

Quedo e fogoso, à torre proeminente

O escudo apóia fúlgido, e sentido

Fala em sua alma grande: “Ai! Se entro agora,

Mo exprobrará primeiro Polidamas,

Que a recolher a gente aconselhou-me,

A noite em que aziago alçou-se Aquiles.

Fora melhor; a pertinácia minha

Danou do povo a causa! Os nossos temo

E as Troianas de peplos roçagantes;

Ouço em roda: — Ei-lo Heitor, que temerário

O exército perdeu! — Di-lo-ão por certo.

Mais vale ou triunfar do imano Aquiles,

Ou morrer pela pátria em luta honrosa.

E se elmo e escudo e lança ao muro encosto,

E indo encontrá-lo, dar prometo Helena,

Motivo desta guerra, e o que Alexandre

Nos trouxe em cavas naus, para os Atridas,

Para os outros Aqueus o que Ílio encerra;

Que de ancião com firmeza os Teucros jurem

Nada ocultar, e dividir ao meio

Quanta riqueza esconde a grã cidade…

Quê! Deliras, minha alma? Eu suplicante!

Sem mais dó nem resguardo, a mim sem armas,

Qual imbele mulher, há-de imolar-me.

Do rochedo e carvalho não é tempo

De lhe ir falar como donzela e moço,

Quando moço e donzela entre si falam.

Combater, investir: saiba-se, e presto,

A quem o Olímpio agora entrega a palma.”

Entanto, igual a Marte, avança Aquiles

De elmo a nutar, e à destra o lenho ingente,

O arnês brilha em seu peito à semelhança

De vivo ardente fogo ou sol no eoo.

Trêmulo Heitor, ao vê-lo, as portas largas,

Deita a correr; em pés fiado Aquiles,

No encalço voa: açor montês imita,

Ave a mais lesta, que, ao fugir de esguelha

Tímida pomba, acerca-se guinchando

Faminto à presa, a redobrados chofres.

Precipita-se Aquiles, e o Priâmeo

Em susto move rápido os joelhos.

Vão, pela estrada ao longo da muralha,

Da atalaia à ventosa baforeira,

E às claras fontes chegam donde bolha

O férvido Escamandro: uma flui quente,

Como um lar acendido fumegando;

No verão mesmo a outra é sempre fria,

Tanto quanto a saraiva ou neve ou gelo.

Ali, na paz que os Dânaos perturbaram,

De pedra em largas elegantes pias

Cônjuges Teucras e engraçadas virgens

Roupa e vestes louçãs lavar soíam.

Transpõem-nas ambos: o que foge é bravo,

É mais bravo o que o segue: não bovina

Vítima ou pele, da carreira prêmios,

Do herói Priâmeo se disputa a vida.

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E se quiser ler todos os contos de Machado de Assis, que também são belo exemplo para nossa vida linguística, clique aqui.

 

Dúvidas? Comentários? Sugestões? Escreva para dicasdeportugues@cnj.jus.br.

 

Semana que vem segue a “tradução” deste trecho da Ilíada.

 

Uma semana seminal!

 

 Carmem Menezes

 Revisora de Texto da Secretaria de Comunicação Social