A coragem e a delícia de recomeçar

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Conta-se que um respeitável fazendeiro de 80 anos, verdadeiro sustentáculo de tradições seculares, tinha uma única e adorável netinha de 8 anos. Homem rígido e acostumado a posições irrevogáveis (afinal, seus brancos fios de bigode sempre acobertaram uma boca que “jamais” deixou de honrar a palavra dada), entretanto se dobrava a “quase todos” os pedidos desta garotinha mimosa e catita.

Eis que, entretanto, um belo dia, a linda menina, que conhecia o horror do avô por um cardápio de quiabo (embora soubesse também que ele jamais experimentara o sabor do quiabo) lhe pede para que experimente, “pelo menos uma colherzinha”, daquele guisado que ela adorava e que lhe doía ver que o avô se privava.

Ao que o octogenário e respeitoso senhor lhe responde “Sabe querida? Não posso atendê-la, e você há de me compreender! Se vovô atende o seu pedido, ele corre dois riscos: o primeiro é que eu acho que isso de fato vai até me fazer mal, pois não me parece bom o sabor. O segundo é que, caso o vovô goste do sabor, ele vai ter de assumir oitenta anos de erro!”

Assim conta a história, que verdadeira ou fictícia, retrata bem o comportamento de muita gente, em todas as idades.

É óbvio que o maior risco era o segundo. A dificuldade de recomeçar em novo caminho se prende principalmente à necessidade, que a isto se antecipa: reconhecer que havia um engano na posição anterior.

Mudar, de fato, não é fácil. Experimente fazer novo trajeto, por exemplo, para chegar até sua casa. Um horror! As dificuldades (desconhecidas, é claro), se nos afiguram mil vezes piores do que as anteriores (do conhecido).

Enquanto isso, a vida passa…. E nós que temos um sol renascendo todos os dias no horizonte vamos perdendo a oportunidade de fazê-lo também.

É lamentável, pois isso nos tira o valor maior da possibilidade de evolução humana, papel que, ao que parece, é o fundamental da espécie. Tomemos, por exemplo, o modelo de um cão: se mil vezes um ônibus passa por perto, mil vezes ele correrá atrás, num esforço inédito de alcançá-lo. O cômico é que, se entretanto o ônibus para ele sem dúvida recuará, desorientado com “o que é que ele vai fazer, com este ônibus”!

Mas isso não o impedirá de correr atrás do próximo ônibus que vier. Refazer um comportamento pela inutilidade da ação não é de sua natureza irracional. Ora, quando insistimos em um comportamento, apenas porque sempre agimos assim, nos tornamos similares ao canino.

Somos humanos e é por isso que temos o direito (senão o dever) de crescer todos os dias! Posso deixar vícios prejudiciais, posso alterar caminhos tortuosos, posso aprender a ser melhor, todos os dias. Entretanto, só eu posso decidir por esse renascer diário. É fácil entender porque qualquer tratamento para mudança de comportamento não funciona, enquanto as próprias pessoas não fizerem essa opção.

Como consequência, até a felicidade é fruto de nossa decisão de sermos felizes. Já notaram como existem pessoas que fazem “opção” pela infelicidade?! Têm vergonha de serem felizes! Como é que vão explicar para o mundo que sempre as viu taciturnas e mal-humoradas que agora são sorridentes e alegres?

Renascer para a alegria não significa matar a tristeza. E até isso é uma mudança que não querem enfrentar. Esse comportamento neurotizante muitas vezes perturba também os resultados de treinamentos empresariais. Os resistentes às mudanças sempre olham com suspeita para o instrutor. Sempre fiz isso assim, por que é que agora esse cara vem dizer que de outro jeito é melhor? Vou fazer de conta que presto atenção no que ele diz (afinal, a firma pagou o serviço), mas por mim tudo vai continuar como sempre, da maneira que eu já sei.

Não é de se estranhar que, muitas vezes, empregados tradicionais (inclusive no nível da cúpula das empresas, que pagou pelo serviço, só para mostrar como é aberta a mudanças, mas apenas às mudanças dos outros…..eles são perfeitos, não precisam mudar) digam que o treinamento não funcionou. Talvez o que não tenha funcionado foi a tática do treinador. Antes de iniciar qualquer conteúdo específico de treinamento, deveriam trabalhar as questões expostas nesta matéria.

Mudar não significa desconhecer os valores do passado. Significa evoluí-los. A própria trajetória da vida é um processo de mudanças. Não se trata de reinventar a roda (frase comum entre os que argumentam pelo continuísmo). A invenção da roda foi, de fato, grande marco histórico, inesquecível para a humanidade. Mas hoje, já somos capazes de “flutuar” acima dos trilhos. E em breve nem precisaremos mais de rodas, só das grandes evoluções que fizemos a partir delas.

Não perca, pois, a oportunidade de crescer todos os dias e de buscar o recomeço sem medos. Você verá que é essa a verdadeira delícia de se viver.

Renan Chagas
RH da Ars Tekne