Gerúndio e particípio

Chegando ao final da discussão de aspectos mais morfológicos que sintáticos dos verbos, serão nosso foco nesta semana as formas nominais particípio e gerúndio. Sobre a outra forma, o infinitivo, falamos aqui.

A primeira característica a ser abordada é o nome: como um verbo pode ser nome (= forma de nome)? Simples: “nome” é a categoria gramatical que, nas gramáticas mais antigas, englobava substantivos e adjetivos. Assim, dizer que o particípio e também o gerúndio e o infinitivo são formas nominais equivale a dizer que os três têm dois comportamentos morfossintáticos: ora são verbos, ora são nomes. No grupo dos verbos, apenas essas três apresentam essa “vida dupla”, que não é novidade na nossa língua.

Particípios que terminam em -ado derivam-se de verbos da 1ª conjugação, e aqueles terminados em -ido advêm de verbos da 2ª e da 3ª conjugação, como “cantado, bebido, partido”, respectivamente. Há verbos que são abundantes e aqueles que apresentam apenas a forma irregular, como “dito, escrito, feito, visto”. Quando uma criança pequena que está aprendendo a falar diz “mamãe, eu tinha fazido bagunça”, ao contrário do que muitos pensam, ela não é burra. A criança demostra, bem cedo, que já aprendeu como é o processo de formação dos particípios. Está com a regra geral 100% dominada. O que não sabe ainda – e cabe aos pais corrigirem – é que, neste caso específico, vale uma regra exclusiva que obriga a ela dizer: “mamãe, eu tinha feito bagunça”. Se você quiser se aprofundar, uma ponta do iceberg está aqui.

Particípios flexionam-se em gênero e número e concordam com o termo a que se referem – “A menina está cansada”; “As pessoas alocadas aqui ficaram contentes”; “Embaraçado, Paulo pediu para sair” – quando são adjetivos. Quando são verbos, permanecem invariáveis: “Os meninos tinham participado do sorteio”.

Uma pitada histórica: havia, no latim, três particípios: presente, passado e futuro (ativo e passivo). Do particípio presente latino, originam-se as nossas palavras terminadas em “-ante/ente”, como, por exemplo, “estudante, presidente, falante”, em que esse sufixo indica aquele que faz a ação expressa pelo verbo. O nosso atual particípio é derivado do particípio passado latino. E o particípio futuro passivo latino deixa sua marca na língua portuguesa atual em palavras como “doutorando, mestrando”, cuja ideia original era de obrigatoriedade e de dever ser, algo que está em processo.

Um verbo conjugado no gerúndio sempre termina em -ndo e nunca se flexiona. Normalmente, indica uma ação em curso no momento em que se fala: “Maria está correndo”, por exemplo. Seu uso indiscriminado para indicar processo gerou fenômeno linguístico muito forte há uma década, conhecido como gerundismo, presente em construções como “Vou estar enviando o documento” ou “Senhora, vou estar transferindo sua ligação”. Felizmente, as forças de conservação da língua portuguesa e o repúdio dos falantes a essas construções esdrúxulas conseguiram conter o avanço delas na nossa língua. Sobre o uso correto do gerúndio nos textos da vida profissional, leia aqui ou aqui.

Nas locuções verbais, o gerúndio pode combinar-se com os auxiliares:

– estar; exemplo: “Eles estavam dormindo na casa”;
– andar; exemplo: “Andei buscando esses dias com intensidade”;
– ir; exemplo: “O sol vai raiando nesta manhã”;
– vir; exemplo: “A noite vem chegando de mansinho”.

Em cada uma delas, há nuança distinta que você pode investigar ao escrever para dicasdeportugues@cnj.jus.br.

Uma semana crescente!

Carmem Menezes
Revisora de Textos da Secretaria de Comunicação Social