“Preciso pegar minhas coisas e partir.
Viajar, esquecer, talvez amar.”
Caio Fernando Abreu
Nesta última coluna com “matéria” do Dicas de Português de 2013, é hora de fazer economia. Ou de ver que nossa língua, que não tem casos como o latim, o grego ou o alemão, faz que o mesmo grafema, sem diferença nenhuma, tenha funções sintáticas tão distintas. Vamos ver dois grafemas: “a” e “que”. Grafema é o termo técnico que faz referência às letras empregadas na escrita de uma palavra, por oposição à fonema, que, como já vimos, refere-se ao som: ao mesmo fonema podem corresponder vários grafemas.
O grafema “a”, a depender do lugar de ocorrência na oração, pode classificar-se como artigo, preposição ou pronome. Em “A menina a convidou à festa”, temos um artigo antes de “menina”, um pronome antes de “convidou” e uma preposição fundida com um artigo antes de “festa”. O “a” que ocorre à esquerda de um substantivo é um artigo; o que ocorre à esquerda de uma forma verbal é um pronome; o que ocorre à esquerda de um verbo no infinito é uma preposição; o que ocorre à direita da forma verbal ou é um pronome, que necessariamente está ligado a ela por hífen, ou é uma preposição regida pela forma verbal.
O grafema “que” tem umas 13 classificações diferentes, ao se considerar a subdivisão semântica das conjunções subordinativas. Fiquemos com duas delas. A primeira a se identificar é o “que” como pronome relativo, quando ocorre em orações adjetivas, tanto explicativas quanto restritivas. Em “A menina que está aqui trouxe presente”, o pronome (porque substitui um nome, no caso, “menina”) relativo (porque se refere a algo e a este se relaciona) está presente.
A segunda a se classificar é como conjunção integrante: aqui, o “que” introduz um complemento oracional com função de substantivo. Em “Ela disse que está feliz”, “Eu não esqueço de que você virá”, “A necessidade de que beba leite é vital para ele”, temos exemplos de ocorrência de conjunção integrante introduzindo orações subordinadas substantivas.
Agora algo muito importante: se você for procurar “funções do que” em qualquer buscador da Internet, em muitas das páginas indicadas, estará um erro: o uso do “que” como preposição em contexto exclusivo como em “Eu tenho que estudar isso”. Esse não é um uso abonado pelas gramáticas normativas. O certo, nesse contexto, é o uso da preposição “de”. Preposição e Conjunção são classes de palavra muito semelhantes e o principal traço distintivo é justamente o emprego em contextos diferentes. Não se misturam. Então, “que” é pronome, conjunção e até substantivo. Mas só.
Alguma dúvida? Quer algum esclarecimento adicional? Escreva para dicasdeportugues@cnj.jus.br.
Que essa semana seja intensa!
Carmem Menezes
Revisora de Texto da Secretaria de Comunicação Social
