90% das audiências de custódia tratam de crimes patrimoniais e drogas

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Os crimes contra o patrimônio, como roubo, furto e receptação, e o tráfico de entorpecentes respondem por mais de 90% dos casos de prisão em flagrante registrados em São Paulo nos 10 primeiros meses de implantação das audiências de custódia. A constatação faz parte de uma pesquisa apresentada pelo diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) Hugo Leonardo, nesta quinta-feira (23/6), no segundo dia do II Seminário sobre Tortura e Violência no Sistema Prisional e no Sistema de Cumprimento de Medidas Socioeducativas – Atuação do Poder Judiciário no Enfrentamento à Tortura, que acontece até esta sexta, no Supremo Tribunal Federal (STF).

A pesquisa mostra ainda que 95% dos presos em flagrante que passaram pelas audiências de custódia naquele período eram homens, 61,67% são negros e 75% dos detidos concluíram apenas o ensino fundamental. Ainda de acordo com a pesquisa, 80% dos presos declararam não ter nenhuma renda mensal ou ganhos entre um e dois salários mínimos. Além disso, apenas 4,93% dos presos em flagrante contaram com a presença de advogado na delegacia de polícia, no momento da lavratura do auto de flagrante delito.

O estudo traz ainda dados importantes sobre a atuação dos órgãos de Justiça durante as audiências de custódia, no que diz respeito à verificação do tratamento dado ao preso após a prisão. Segundo a pesquisa, apenas 42% dos juízes que conduziram as audiências de custódia questionaram o preso sobre a ocorrência de tortura ou maus-tratos. O mesmo questionamento foi feito por promotores em apenas 1,36% dos casos e em 5,78% das audiências a pergunta partiu da defesa do próprio preso. “É escandaloso em uma audiência cujo propósito seja verificar justamente como se deu a prisão haver esse percentual de indagação a respeito desse tema”, partindo de quem for, afirmou o diretor do IDDD. Em 5% das audiências, a iniciativa de falar sobre o tratamento recebido após a prisão foi do próprio preso.

Policiais na sala – O diretor do IDDD teceu comentários, ainda, sobre algumas rotinas adotadas pelos tribunais e que podem inibir o relato de casos de tortura e maus-tratos, como a presença de policiais nas salas durante as audiências de custódia. “É obvio que na presença de policiais esse relato de tortura ficará prejudicado”, afirmou. Há ainda situações em que, ao ouvir o relato de que houve maus-tratos, promotores advertiram o preso sobre a possibilidade de cometerem o crime de denunciação caluniosa. “É papel dos juízes, promotores e dos defensores evitar que esse tipo de influência externa ou forma de pressão iniba o relato de tortura e maus-tratos para que essas coisas venham às claras e possam ser evitadas”, disse.

Hugo Leonardo defendeu maior atenção nas audiências de custódia para a definição de mecanismos que permitam ao preso falar na presença de juízes, promotores e defensores sem medo. Segundo o diretor do IDDD, em São Paulo já estão sendo discutidos procedimento para aprimorar a forma como deve ser feita o encaminhamento dessas denúncias. “Na minha opinião, a audiência de custódia é um instituto que confere maior empoderamento ao magistrado. Espero que os tribunais possam cada vez mais se adequar a essa nova realidade e aprimorar esse instituto, que é tão importante para coibir esse tipo de prática”, concluiu.

O Coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, Luís Lanfredi, elogiou o trabalho de monitoramento feito pelo IDDD. “É uma pesquisa séria, que colheu os primeiros momentos da audiência de custódia, com todos os desafios e entraves trazidos por algo que é novo. De lá para cá, muita coisa já mudou e está se modificando. Estamos aprendendo a fazer e nos aprimorando todos os dias para realizar algo para o qual nunca fomos treinados. A Resolução n. 213 do CNJ e seus protocolos tem um papel relevante e está em condições de garantir uma atuação judicial qualificada nas audiências de custódia”, disse o magistrado.

Seminário – O 2º Seminário sobre Tortura e Violência no Sistema Prisional e no Sistema de Cumprimento de Medidas Socioeducativas tem por objetivo fortalecer a atuação e o engajamento dos juízes na prevenção, identificação e combate à tortura, em especial quando detectadas em audiências de custódia. A ideia do evento é oferecer oficinas para treinamento específico e detalhado dos juízes e para troca de conhecimento sobre as experiências de cada tribunal. O evento é promovido pelo CNJ em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos (SDH), a International Bar Association (IBA), a Associação para a Prevenção da Tortura e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).

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Tatiane Freire
Agência CNJ de Notícias