Na última terça-feira (16/6), o juiz federal Felipe Mota Pimentel de Oliveira, titular da 38ª Vara Federal, em Serra Talhada (PE), determinou que a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a União iniciem e concluam o procedimento de demarcação da Aldeia Serrote dos Campos, no município de Itacuruba (PE), pertencentes ao povo Pankará.
A Ação Civil Pública, de autoria do Ministério Público Federal (MPF-PE) solicita, ainda, que a Justiça torne sem efeito a Portaria 1383, publicada em 30 de outubro de 2019, além da aplicação de novas multas. De acordo com o MPF, a Portaria estabeleceu a exclusão de alguns membros e nomeação de outros servidores designados para o Grupo de Trabalho responsável pelas demarcações. Estes, sem competência técnica para realizar o trabalho, ferindo os requisitos legais para a nomeação do Grupo de Trabalho.
Diante do denunciado, a decisão do juiz incluiu a suspensão dos efeitos a Portaria Nº 1383; determinou à FUNAI a constituição de novo GT, com observância aos referidos requisitos do Art. 2 do Decreto 1775/96, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de remessa dos autos à contadoria do juízo, para que se realize o cálculo do valor das multas devido pela FUNAI ante novo descumprimento da tutela antecipada; e por fim, restabelecimento – acaso ainda exista interesse por parte dos membros – do GT constituído anteriormente à Portaria 1383, como efeito repristinatório da presente decisão.
Entenda o caso:
Ao ser questionada nos autos sobre a troca do servidor antropólogo-coordenador do GT por Joany Marcelo Arantes, sem que em nenhum momento verse sobre qualquer experiência na área, a Funai apresentou manifestação alegando, em suma, que o ato de alteração do GT não possui qualquer ilegalidade “caracterizando-se como mera gestão dos recursos humanos e orçamentários da Fundação, pautado, pois, na conveniência e oportunidade administrativas”. Argumentou, ainda, que “de acordo com o art.2o, do Decreto nº 1.775/96, deverá ser feita por “… antropólogo de qualificação reconhecida …”, sem que no dispositivo haja a vinculação do profissional à realização prévia de graduação, ou ainda, a uma definição taxativa do que seria a acepção de “qualificação reconhecida”, o que configura conceito jurídico indeterminado, a ser preenchido de forma proporcional e razoável”; e que “o curso de Antropologia do Coordenador do GT, Joany Marcelo Arantes, foi realizado na UNISAGRADO, instituição regular e que se encontra em situação ATIVA, perante o MEC (…)”.
Para o magistrado, “Ao que parece, a Autarquia deu interpretação inadequada às disposições do Art. 2 do Dec. 1775/96. Parece que tem como sinônimas as expressões “antropólogo” e “antropólogo com qualificação reconhecida”. Essa é a única “razão” vislumbrada por este juízo que poderia explicar substituição de um profissional com larga experiência e extremamente gabaritado por uma pessoa com pouca experiência e com mínimas qualificações. “Apesar de vivermos uma época de total instrumentalização dos significados – coisa que se observa bem na abundância de definições emotivas com finalidades políticas -, o significado ordinário das palavras, a sua definição léxica e/ou operacional, ainda importa. Ela, certamente, não deve ser determinante na interpretação; porém, – e isso é ainda mais certo! – deve ter seu valor semântico observado no cumprimento do dispositivo”, avaliou.
O juiz questiona ainda a boa-fé da autarquia na condução do processo e cumprimento da decisão judicial “condutas destoam do que é ordinariamente visto como razoável de se esperar de um sujeito processual comprometido com a melhor solução do litígio -, que se poderá inferir a ofensa à boa-fé. Outrossim, quando uma decisão liminar determina a realização de uma atividade, cria-se para o destinatário do ônus de cumprir a decisão uma obrigação de fazer. E tal obrigação – em se tratando de um processo que deve ser cooperativo – deve ser cumprida de boa-fé, com a observância de deveres que são semelhantes aos “deveres anexos” existente no âmbito da doutrina do direito civil (proteção, informação e confiança). Sendo mais claro: não é permitido às partes a prática de atos que possam vir a frustrar – ou influenciar de modo que não possa ser visto como “fair” – o objeto da obrigação criada pela decisão liminar.”
“Tal situação desestabiliza a relação processual (administrativa e judicial) e compromete a lisura do resultado futuro do procedimento, pois é um fator que denota que interesses particulares podem interferir no tipo de imparcialidade que se espera do GT. Constitui-se, ainda, em algo que subverte a finalidade do procedimento e da instituição (FUNAI), merecendo repúdio por parte da Constituição de 1988, que, expressamente, reconhece aos povos indígenas o direito sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Assim, uma violação positiva da decisão – um paralelo feito por este juízo à violação positiva do contrato do direito civil -, sendo uma situação em que se cumpre a decisão de forma defeituosa, insatisfatória, ou, ainda – como é o presente caso – de modo a influenciar injustamente no futuro resultado útil do processo, não pode ser permitida, sob pena de não se dar eficácia ao princípio da boa-fé processual”.
Fonte: JFPE/TRF5