A decisão judicial é uma resposta possível para a solução de um conflito, mas não é a única. No Brasil, desde 2006, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou o Movimento pela Conciliação e começou a contabilizar o número de acordos fechados com ajuda dos métodos autocompositivos, ao menos 15 milhões de conflitos já foram solucionados sem envolver uma sentença. Esse dado é extraído dos Relatórios Justiça em Números e dos resultados das 14 edições da Semana Nacional da Conciliação, também parte da política judiciária nacional implementada pelo CNJ. Nela, os tribunais são incentivados a promover o encontro entre as partes para a obtenção de acordos nas fases pré-processual e processual.
Com a missão de aperfeiçoar o sistema judiciário brasileiro, o CNJ implantou, de maneira definitiva, os métodos consensuais de resolução de conflito na engrenagem da Justiça brasileira ao criar a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário (Resolução CNJ n. 125/2010), considerada um marco regulatório nesse tema. Ela rendeu frutos expressivos: a Lei de Mediação (Lei n. 13.140/2015) e a mudança no Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015), prevendo o oferecimento da conciliação, etapa obrigatória na tramitação do processo.
O primeiro esforço concentrado da Justiça para resolver ações judiciais por meio da conciliação ocorreu no dia 8 de dezembro de 2006. O Dia Nacional da Conciliação, como foi chamado à época, realizou 83 mil audiências e obteve quase 47 mil acordos. No ano seguinte, o mutirão passaria a ocorrer durante uma semana. “Quando se consegue fazer a conciliação de maneira correta, temos uma solução de maior qualidade do que a solução judicial. A execução é imediata – a situação se resolve de maneira mais rápida e econômica para cidadão e Estado –, e, se a pessoa construiu ou ajudou a construir a solução, ela vai aderir ao cumprimento daquele acordo”, afirmou Ellen Gracie Northfleet, presidente do CNJ nos anos de 2006 e 2007, quando o Movimento foi iniciado.
Origem
A importância da autocomposição já estava no centro do debate para juristas, operadores do direito e parlamentares quando o CNJ criou o Movimento pela Conciliação. Já tramitavam, no Congresso Nacional, projetos de lei que tentavam regulamentar a questão, mas havia dificuldade para aprová-los.
No âmbito do CNJ, foi criado um grupo consultivo para elaborar um texto que alterasse a cultura da litigiosidade e que garantisse a prestação eficiente de serviços ao cidadão. “Foram dois anos para que o grupo criasse as bases de um sistema que envolvesse procedimentos, estímulos, orientações aos tribunais, universidades, para que a solução dos conflitos fosse, de fato, alcançada de maneira satisfatória. A solução por meio da sentença do juiz, muitas vezes, não funciona para dar fim a um conflito. As partes ficam insatisfeitas e voltam ao Judiciário inúmeras vezes”, diz o professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Kazuo Watanabe. Ele é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e um dos elaboradores do texto normativo, junto com a jurista Ada Pellegrini Grinover, entre outros.
Não houve tempo suficiente para que a minuta da resolução ficasse pronta e fosse levada ao plenário ainda no mandato de Gilmar Mendes, presidente do órgão nos anos de 2008 e 2009. O grupo, então, levou o assunto ao presidente recém-empossado, ministro Cesar Peluso (2010/2011). Entusiasta da conciliação, Peluso submeteu a minuta – redigida pela então conselheira Morgana Richa – ao Plenário, e a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário foi aprovada por unanimidade em 2010.
Segundo Kazuo Watanabe, até então, a conciliação praticada no Brasil era uma mera faculdade que o juiz podia oferecer às partes e, normalmente, sem eficiência, pois não havia preocupação com a qualidade da conciliação, com a eficiência das técnicas consensuais. “O juiz perguntava: Tem acordo? Não? E seguia com o processo, ou seja, desperdiçávamos um momento precioso de solucionar um conflito por desconhecimento técnico”, afirmou.
Visibilidade e incentivo
A Resolução CNJ n. 125/2010 determinou, entre outras medidas, que todos os tribunais brasileiros criassem unidades de atendimento aos cidadãos que buscassem mediar ou conciliar seus conflitos. Seriam duas estruturas: os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) e os Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflito (Nupemecs). Para garantir que os tribunais cumpririam a norma, o CNJ chegou a enviar uma equipe de juízes a percorrer o país para verificar se essas unidades estavam corretamente instaladas e se o trabalho atendia o que fora determinado pelo Conselho. Outra ferramenta foi a publicação de manual com orientações e parâmetros para o trabalho dos servidores e magistrados na implantação dos Cejuscs.
A política judiciária também definiu princípios fundamentais a serem respeitados nas tentativas de solução, como a confidencialidade, a imparcialidade, a independência e a autonomia, além do respeito à ordem pública e às leis vigentes. E para incentivar as boas práticas, em 2010, ocorreu a primeira edição do Prêmio Conciliar é Legal, voltado para disseminar os métodos consensuais de resolução de conflito por meio das iniciativas exitosas de prevenção de litígios e pacificação social praticadas nas unidades de justiça do país.
Um desses vencedores foi o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), com um projeto voltado à conciliação entre cidadãos e grandes litigantes. Um dos processos relativos ao pagamento de indenizações envolvendo seguros motivados por danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre – o DPVAT – conseguiu, na época, resolver 90% das ações apresentadas. “O Poder Judiciário tem se beneficiado muito da atuação do CNJ, tornando-se mais próximo da sociedade, mais transparente e mais humanizado”, afirmou Emmanoel Campelo.
Advogado e especialista em mediação no Direito do Trabalho, o então conselheiro tocou a pauta da conciliação a partir de 2013, quando chegou ao CNJ indicado pela Câmara dos Deputados. “O Movimento pela Conciliação era coordenado pelo conselheiro Neves Amorim, que fez um notável trabalho à frente dessa política pública. Assumi o desafio de continuar com as boas práticas, fortalecer essa política pública e elevar os patamares desta cultura da paz no Poder Judiciário”, diz.
Campelo presidiu a Comissão de Acesso à Justiça e Cidadania do CNJ em 2015, quando o Congresso Nacional aprovou as duas normas que colocaram a solução consensual de conflitos não como um caminho alternativo, mas, pelo contrário, definitivo, obrigatório e engajado com a humanização da prestação jurisdicional: a Lei de Mediação e o Novo Código de Processo Civil, ambas utilizando como base a Resolução 125, norma paradigmática da conciliação no país.
A partir de 2016, o CNJ passou a contabilizar o número de processos resolvidos por meio de acordos, fruto de mediações ou conciliações. Até então, os únicos índices de conciliação verificados se davam durante a Semana Nacional de Conciliação. O dado foi incluído na 12ª edição do Relatório Justiça em Números (ano-base 2015). Utilizando a base de dados dos tribunais, o órgão revelou índice médio de conciliação em 11% das sentenças, resultando aproximadamente em 2,9 milhões de processos finalizados de maneira autocompositiva. Em 2018, o número de acordos homologados já havia chegado a 4,4 milhões.
Entre 2018 e 2019 outros importantes avanços ocorrem como o Provimento da Corregedoria do CNJ n. 67/2018, conferindo poderes aos cartórios de todo o país para operar com métodos consensuais de solução de conflito e, utilizando a capilaridade dos cartórios nacionais, fortalecer e ampliar a oferta da conciliação e da mediação ao cidadão.
Capacitação
A mudança de comportamento dos agentes da Justiça, dos operadores de Direito e da sociedade foi fundamental para superar a tendência – ainda majoritária – da judicialização dos conflitos de interesse. Para tanto, menos de um ano depois de criada a Política, o Conselho deu outro importante passo para a implantação, de maneira alinhada e em todos os tribunais do país, dos métodos consensuais de conflito: se voltou à formação dos instrutores em mediação e conciliação.
“Mais do que apenas solucionar processos judiciais, a conciliação e a mediação ajudam a pacificar a sociedade e as pessoas”, afirmou a juíza Valéria Ferioli Lagrasta Luchiari, na abertura do primeiro Curso de Formação de Instrutores de Métodos Consensuais de Resolução de Conflito. O treinamento foi promovido pelo CNJ com apoio da Secretaria de Reforma do Judiciário, ligado ao Ministério da Justiça, em 2011, no auditório do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT).
Em 2020, apesar das dificuldades enfrentadas por toda a sociedade – parte delas causada pela pandemia da Covid-19 –, o CNJ criou um curso à distância (EaD), inédito, para formar mediadores e conciliadores em todo o país e, assim, minimizar a carência desses profissionais no país. Coordenador do grupo de trabalho criado para desenvolver o curso, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Marco Aurélio Gastaldi Buzzi afirma que a medida poderá suprir a carências de profissionais nos estados. “Muitos tribunais não estavam realizando a audiência de conciliação pela ausência desses profissionais. O curso de mediadores é imprescindível para a continuidade dessa política”, disse no lançamento do curso. Previsto para ter 350 vagas, foram inscritos 760 alunos e a lista de espera já tem mais de 1.200 pessoas.
“A modalidade EaD veio para suprir a necessidade de disseminação adequada dos métodos consensuais de solução de conflitos, em especial da conciliação e mediação no âmbito judicial, com a qualidade garantida pelo CNJ”, completou o conselheiro Henrique Ávila. Atualmente, ele preside a recém-criada Comissão Permanente de Solução Adequada de Conflitos do CNJ, que assumiu parte das competências da extinta Comissão de Acesso à Justiça.
O reconhecimento do sucesso do Movimento pela Conciliação iniciado há 15 anos deve ser creditado ao esforço de magistrados, servidores e conselheiros que acreditaram na cultura de paz e buscaram a correta disseminação das técnicas de solução autocompositivas.
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Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias