O novo normal imposto pela pandemia da Covid-19 teve expressivo efeito no Judiciário. Em cinco meses, foram provocadas mudanças tecnológicas na prestação de serviços jurisdicionais previstas para ocorrerem em 10 – ou mais – anos. Por outro lado, trouxe o desafio de os órgãos judiciais se prepararem para lidar com a proteção da privacidade digital e de dados. E ainda a importância de magistrados e demais operadores do Direito julgarem, planejarem e decidirem a partir do uso intensivo da tecnologia.
Essas foram algumas conclusões dos participantes do painel “A justiça no novo normal”, durante o seminário digital “A pandemia e o acesso à Justiça – impactos, transformações e desafios”, realizado nesta sexta-feira (21/8). O evento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi coordenado pelo ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e conselheiro do CNJ, Emmanoel Pereira, que também é corregedor nacional de Justiça substituto.
A rápida adaptação do Judiciário ao trabalho remoto em contexto global marcado por crise sanitária, econômica e política foi o panorama traçado pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Paulo de Tarso Sanseverino. Ele pontuou que a pandemia acelerou a revolução tecnológica, que já vinha evoluindo com a inteligência artificial. E destacou que a magistratura tem que se preparar para a nova normalidade jurídica. “A pandemia do covid-19 se tornou um catalisador das transformações tecnológicas com impacto direto em todos os setores da sociedade, inclusive no complexo mundo do Direito.”
Sanseverino lembrou que a adoção de atividades remotas, como home office e reuniões virtuais, já eram discutidas no Poder Judiciário. E a quarentena impulsionou esse processo. E a nova realidade do Judiciário será cada vez mais marcada por gabinetes virtuais e realização virtual de sessões, audiências, julgamentos e reuniões entre as partes de um processo. “Na verdade, tivemos uma antecipação de décadas, talvez de 20, de 30 anos em poucos meses.”
Proteção
A presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Renata Gil, afirmou que a Justiça brasileira se adaptou bem ao trabalho virtual e à migração do papel para o eletrônico. No início da pandemia, a AMB fez uma pesquisa junto aos tribunais, onde verificou a existência no país de 22 milhões de processos físicos de um acervo total de 80 milhões de processos.
Ela defendeu que é preciso transformar os processos físicos remanescentes em processos eletrônicos, para que os tribunais possam atuar de forma equânime. E frisou a rapidez de adaptação da magistratura. “Há vários magistrados realizando audiências via WhatsApp, fazendo intimações e conversando com partes por meio virtual. Uma verdadeira revolução em curto espaço de tempo.”
Desde o início da pandemia, foram emitidas 10 mil sentenças de mérito, realizados 400 milhões de atos processuais e cerca de R$ 400 milhões em recursos foram repassados pela Justiça para prevenir e combater os efeitos do novo coronavírus. “A Justiça brasileira tem atuado de forma protetiva, especialmente para a camada populacional que mais precisa”, disse. Renata citou, como exemplos, decisões judiciais para a reabertura de hospitais fechados, retomada do pagamento de benefícios previdenciários e o impedimento de interrupção no fornecimento de água e energia elétrica a pessoas com situação financeira precária.
Acesso
O Judiciário brasileiro poderia ter sido um mero espectador durante a pandemia. Mas foi, na avaliação da juíza auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, Keity Saboya, protagonista na mudança tecnológica e na garantia dos serviços jurisdicionais essenciais.
Ela destacou como essencial refletir, neste novo contexto tecnológico, sobre a garantia de acesso à Justiça para 46 milhões de brasileiros que estão excluídos do mundo digital. “Fomos grandes nesses cinco meses, mas acho que podemos ser mais. Uma pesquisa capitaneada pela FGV demonstrou que a percepção de 92% das defensorias públicas é que os excluídos estão cada vez mais distantes do acesso à Justiça.”
Keity ainda reforçou a importância de se debater a representatividade do cargo do magistrado e sua presença física nas comarcas, as possibilidades de trabalho em rede entre os órgãos do Judiciário para a contratação de tecnologia da informação e os impactos do processo judicial eletrônico.
Advocacia
Segundo o secretário-geral do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), José Alberto Simonetti, os advogados e escritórios de advocacia também tiveram que se adaptar à aceleração tecnológica. Ao lembrar as várias atividades que vem sendo realizadas virtualmente, como audiências e julgamentos, ele lembrou sobre a precariedade, em várias situações, dos serviços de internet oferecido no país. Mas destacou que os escritórios mais consolidados incrementaram a virtualização das atividades. E que esse processo prossegue em uma adaptação que tende a conferir maior competividade e auxiliar na democratização do Judiciário e da advocacia.
Entre impactos esperados para os advogados no contexto de pandemia e no pós pandemia, Simonetti mencionou a renegociação de contratos em decorrência da crise econômica. “Provavelmente a crise se agravará. E muitas empresas pedirão recuperação judicial, falência e, por consequência, também no âmbito do Direito do trabalho se espera um aumento no volume de processos. E essa instabilidade e insegurança geradas pela crise econômica tem levado pessoas e empresas a renegociarem obrigações contraídas em contexto pré-pandêmico e isso vai se agravar e levar empresas e pessoas a renegociarem contratos como pagamento de aluguéis”.
Luciana Otoni
Agência CNJ de Notícias