A biologia explica que os mais remotos antepassados do ser humano ativavam em seus cérebros mecanismos de luta e fuga ante ameaças à vida. Uma reação orgânica que significou a evolução da espécie às adversidades. No entanto, o novo coronavírus, causador da Covid-19, traz consigo um risco invisível, que se esconde em todos os lugares e pode infectar qualquer um, a qualquer momento.
Esse cenário faz com que, constantemente, os mecanismos de defesa do cérebro sejam ativados, o que traz reflexos agressivos à saúde mental. E medo e estresse foram os sentimentos que atingiram a servidora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Meg Gomes, infectada pelo vírus em novembro. “Acredito que as principais dificuldades tenham sido lidar com o desconhecido. Minha saúde mental esteve abalada quando peguei a Covid-19 e fui parar no hospital. Cheguei a ficar internada durante uma semana devido à doença. E eu senti o que todo ser humano poderia sentir num momento como esse: medo, receio do que iria acontecer. Eu pensei muito nos meus filhos e na minha família.”
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Por ter a produtividade laboral como uma de suas marcas, a preocupação com as atividades na Presidência da Associação de Servidores do CNJ (ASCONJ) e nas coordenações do Comitê de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) e da Comissão de Acompanhamento do Código de Conduta dos Servidores do CNJ gerou ansiedade na servidora. “Quando fiquei internada e doente foi horrível, porque parei de produzir e sou uma pessoa muito ativa profissionalmente.”
Apesar de debilitada e receosa, Meg encontrou suporte nas iniciativas de acolhimento e acompanhamento ofertadas pelo CNJ aos servidores e magistrados frente ao atual cenário sanitário, o que tem contribuído bastante para seu bem-estar. “O órgão esteve sempre escutando os servidores e ofertando melhores condições para o trabalho. A síndrome pós-Covid é uma caixinha de surpresas para cada pessoa. Eu penso que devemos ter esperança e fé em um 2021 diferente, com saúde e a volta dos abraços.”
Uma das primeiras iniciativas do CNJ foi adequar o modelo de trabalho remoto para os servidores, a fim de reduzir o contágio do novo coronavírus e criar um espaço virtual comunitário para troca de informações de utilidades diversas. A equipe de psicólogos do Conselho também preparou material informativo sobre os serviços disponíveis e colocou seus contatos à disposição para atendimentos de emergência e avaliação inicial para encaminhamentos.
“Inicialmente, foi preciso preparar o terreno para que as pessoas pudessem trabalhar em casa de uma forma mais adaptável. Ao mesmo tempo, precisávamos tratar com os servidores as angústias e dificuldades do isolamento social, mas também escutar experiências benéficas trazidas pelo momento. E os encontros virtuais semanais são importantes para ouvir e trocar experiências”, detalha o psicólogo do CNJ Mário Oliveira.
Os encontros virtuais foram pautados de acordo com as necessidades dos servidores e magistrados e fizeram com que as incertezas de lidar com o atual contexto fossem diminuídas. “A cooperação entre as pessoas aumentou por meio da criação de grupos específicos. A ansiedade e o estresse foram amenizados com a identificação de pessoas e setores de referência. A divulgação de informações sobre a doença e sobre as ações do CNJ para lidar com a situação ajudaram a diminuir a insegurança“, explica o psicólogo.
Estresse
No CNJ, houve relatos de receio diante da manutenção da qualidade de vida no trabalho, da dificuldade com a gestão do tempo e da administração do limite entre as atividades laborais e as de casa. Para as pessoas com famílias maiores, houve uma sensação de esgotamento e autocobrança, por não conseguirem produzir assim como faziam quando trabalhavam presencialmente. No entanto, a sensação era a de que se estava trabalhando 24 horas por dia.
Essa foi a experiência da técnica judiciária do CNJ Eduarda Carvalho. Casada e com dois filhos, dos quais um recém-nascido, ela teve que lidar também com o sentimos de estresse inerentes à pandemia. “Ficar com duas crianças, em idades totalmente dependentes, revezando com meu esposo, que também está trabalhando de casa, nos deixou sobrecarregados. Demoramos um pouco para organizar uma rotina. E eu defino os primeiros dias como caos.”
Eduarda relata que, ao contrário do esposo, ela encontrou suporte nas iniciativas de adaptação ao trabalho remoto e acompanhamento da saúde mental implementadas pelo Conselho. Além dos encontros virtuais e capacitação para o trabalho remoto, o CNJ disponibiliza dicas para facilitar a comunicação inter-equipes e sobre os cuidados com saúde mental, física e relacional em consonância com visão biopsicossocial do ser humano apregoado pela Política de Atenção Integral à Saúde de Magistrados e Servidores do Poder Judiciário. “Além da minha equipe dar total suporte, os encontros virtuais foram essenciais para conexão com as pessoas, com o órgão, com o trabalho, as reuniões de equipe semanais. Essas ações nos deixam mais conectados, e o trabalho flui mais fácil.”
Núcleo de acolhimento e acompanhamento
O Tribunal de Justiça de Tocantins (TJTO) também se valeu das diretrizes da Política Nacional de Atenção à Saúde para instituir o Núcleo de Acolhimento e Acompanhamento Psicossocial (NAPsi), com a oferta de apoio psicológico e social num ambiente de acolhimento especializado e terapêutico que possibilita a expressão do trabalhador por meio de intervenção individual ou coletiva.
As ações desenvolvidas pelo NAPsi e prestadas por psicólogos, assistentes sociais e psiquiatras foram cruciais para o acompanhamento do assessor de projetos do TJTO João Ornato Brito. Por pertencer ao grupo de risco, ele passou a trabalhar remotamente e, com o passar do tempo, viu os reflexos da pandemia afligirem sua saúde mental. “A monotonia e a solidão concorreram com um estado de depressão, o que dificultou sobremaneira as minhas atividades. Mas procurei ajuda junto ao TJ que prontamente me socorreu com atendimentos psiquiátrico e psicológico. Graças a isto estou praticamente recuperado.”
Os atendimentos do NAPsi estão sendo realizados pela equipe de saúde mental e trabalho de modo on-line em sua maioria, para evitar o risco de contaminação pelo novo coronavírus e, desde a inauguração do Núcleo, em novembro, estão sendo realizados também de modo presencial com aqueles que assim desejarem. “O tribunal tem se mostrado atendo e bastante preocupado com toda essa questão da saúde física e mental de seus magistrados, servidores e colaboradores em todas as medidas adotadas desde o início da pandemia”, explica a chefe da Junta Médica do TJTO, Bárbara Camargo.
Em levantamento realizado pelo tribunal com 1.084 servidores, magistrados e outros colaboradores, 13% se percebiam adoecidas e necessitaram receber ajuda profissional. Do total, 15% relataram ter feito uso de medicamentos. Como sugestão, 28% dos respondentes disseram que seria necessária prorrogação do teletrabalho e 11% pediram disponibilização de equipamentos ou móveis para melhor desenvolver suas atividades em casa.
O TJTO promoveu ainda o Mapeamento dos Riscos Psicossociais Relacionados ao Trabalho, o programa de meditação virtual “Seja Gentil Com Sua Mente” e o projeto de pilates on-line. Segundo a coordenadora do Centro de Saúde do TJTO, Elaine Cristina Ferreira, as iniciativas do órgão foram tomadas para garantir, desde as melhores condições de autocuidado até a oferta de atividades on-line para o auxílio a adequação ao trabalho remoto e assistência presencial. “A mudança de rotina sempre impõe estresse, ansiedade e requer um pouco mais de diligência. O cenário cobrou desempenho pessoal e profissional nunca antes imaginados, mas estamos tendo um feedback muito positivo dos servidores.”
Pesquisa
Em agosto, o Conselho Nacional de Justiça divulgou os resultados de pesquisa sobre o impacto que as mudanças de hábito – surgidas no contexto da pandemia do novo coronavírus – tiveram na saúde mental de magistrados e servidores do Poder Judiciário. O levantamento contou com a colaboração de 46.788 magistrados e servidores, que responderam ao questionário de forma voluntária, anônima e sigilosa.
Dos que responderam à pesquisa, 47,8% declararam se sentir mais cansados quando comparado ao período pré-pandemia; 42,3% tiveram piora no humor e 48% tiveram alteração na rotina do sono. O sentimento mais citado entre magistrados e servidores foi o medo, atingindo 50% dos que responderam ao questionamento.
Alex Rodrigues
Agência CNJ de Notícias