No mês em que se celebra o Dia Internacional da Mulher, a mulher que sobreviveu a duas tentativas de feminicídio e denunciou o Brasil à Organização dos Estados Americanos (OEA) pela não proteção da vida das mulheres, elogiou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pela criação do Prêmio Viviane do Amaral, lançado na última terça-feira (9/3). Em depoimento gravado e encaminhado aos conselheiros e conselheiras do órgão, a ativista pelos direitos humanos Maria da Penha prestou homenagem às mulheres mortas por seus companheiros diariamente no Brasil, criticou a banalização da violência e reforçou a importância de todos se unirem no enfrentamento à violência no país.
“Em nome da juíza Viviane do Amaral in memorian, presto homenagem às 12 mulheres que são mortas, em média, todos os dias, no Brasil”, afirmou Maria da Penha, em referência ao número médio de feminicídios contabilizado pelas secretarias estaduais de Segurança Pública. Em 2020, o número de processos novos de assassinatos de mulheres foi 39% maior que em 2019. “Embora os dados sobre feminicídios sejam alarmantes, principalmente nesse atual contexto pandêmico, esse debate muitas vezes fica invisibilizado na comparação da violência letal cometida contra homens ou mesmo pela resistência em reconhecer esse tema como um problema de política pública.”
Confira a íntegra do depoimento de Maria da Penha
Na década de 80, a ativista foi vítima de duas tentativas de assassinato pelo então marido. Na época, o processo contra ele tramitava lentamente, sem sentença definitiva nem prisão do autor. A situação só mudaria após a condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). Entre as recomendações feitas pela OEA, o país precisaria finalizar o processamento penal do responsável pela agressão contra Maria da Penha, indenizá-la simbólica e materialmente pelas violações sofridas e adotar políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher.
A criação da Lei Maria da Penha foi uma das ações apontadas pelo governo brasileiro de que tenta cumprir as orientações da corte internacional. Mas as mortes de mulheres não pararam. “A criação da Lei Maria da Penha, por si só, não tem a capacidade de acabar com a violência contra a mulher. A Lei precisa ser implementada em todos os municípios do país, por menores que eles sejam. O enfrentamento à violência contra a mulher é dever de todas e de todos. Precisamos que todo cidadão assuma seu papel de transformador social para que seja possível a construção de um futuro sem violência para homens e mulheres”, conclamou Maria da Penha.
O Prêmio CNJ Juíza Viviane Vieira do Amaral de Proteção às Mulheres Vítimas de Violência Doméstica e Familiar será promovido anualmente e premiará ações, experiências, projetos, programas ou trabalhos acadêmicos que contribuam para a prevenção e o enfrentamento da violência de gênero no país. O prêmio também contribui para a crescente conscientização dos integrantes do Poder Judiciário e da sociedade quanto à necessidade de olhar de gênero em relação aos conflitos que chegam ao Judiciário e também uma forma de reverenciar a memória de Viviane Vieira do Amaral, juíza no Rio de Janeiro que foi assassinada pelo ex-marido, pai de suas três filhas.
Painel
A atuação do Judiciário para implementação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher no Judiciário é acompanhada por meio de painel interativo com estatísticas sobre a tramitação de processos relacionados a violência contra mulheres. Em 2020, 138 varas de Justiça exclusivas atuaram para atendimento de mulheres em situação de violência doméstica, além das varas não exclusivas. Ao todo, 538.337 novos processos chegaram às varas exclusivas e não exclusivas da Justiça a partir da denúncia dos crimes descritos na Lei Maria da Penha, com 242.086 sentenças proferidas na fase de conhecimento. O estoque de processos fechou em 1.143.489.
O total de medidas protetivas concedidas alcançou o número de 368.997. Trata-se de 380 medidas protetivas por cem mil mulheres. Em 2019, esse indicador era de 316. Os casos de feminicídio somaram um estoque de 5.491 processos. Na fase de conhecimento, quando são produzidas as provas e tomados depoimentos, foram proferidas 2.016 sentenças.
Em números absolutos, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) concentrou a maior parte dos casos novos de violência doméstica, contabilizando 96.558 novos processos. Em Minas Gerais, segundo lugar em número de casos ingressados em 2020, foram 59.383. Em 2019, a segunda posição era do Rio Grande do Sul, com 72.659 novos casos. Este número caiu para 45.862 em 2020.
Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias