A perspectiva do sistema interamericano, centrado na vítima e em busca da dignidade humana, tem encontrado resguardo na Justiça brasileira. Segundo os palestrantes do primeiro painel do colóquio “Acesso à Justiça: diálogo, desenvolvimento e diversidade”, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nesta sexta-feira (21/5), a intersecção entre as instituições e a abordagem com foco em convenções internacionais suprem as lacunas encontradas no direito nacional. O painel foi presidido pela conselheira Flávia Pessoa, que destacou a importância do diálogo interinstitucional internacional.
“Posso aplaudir o Judiciário brasileiro e dizer do orgulho que é essa institucionalidade independente, que faz com que a força do direito prevaleça em detrimento do direito da força”, disse a professora, procuradora de São Paulo e membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Flávia Piovesan. Ela também celebrou as iniciativas do CNJ e da Justiça brasileira voltadas para a defesa da dignidade humana, como a criação do Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário. “Essas boas práticas resultam em um impacto cultural. O Conselho tem, nesse sentido, um papel inspirador que, por meio da defesa do direito constitucional e convencional, reforça o sistema de monitoramento das questões dos direitos humanos”.
Flavia Piovesan afirmou que o mandato interamericano centraliza as vítimas e acolhe o sofrimento, buscando resguardar a dignidade humana. “Exercemos o mandato à luz dos padrões internacionais, buscando a reparação integral para transformar realidades. Temos a consciência de que violações dos direitos humanos têm causas estruturais. O sistema interamericano há de alcançar essas causas, mas, para isso é importante a difusão desses padrões, a compensação de déficits nacionais e o empoderamento dos atores locais na luta por direito e Justiça.”
A universalidade, a ideia da indivisibilidade e a visão holística dos direitos humanos são a base para o direito interamericano, conforme explicou a professora. Nesse sentido, a interseccionalidade, por meio do diálogo entre os diversos atores, “tece pontes e não muros” ao tema diversidade. “Não há liberdade sem igualdade e nem igualdade sem liberdade”, afirmou. Por exemplo, é diferente falar dos direitos de um CEO que mora em Nova Iorque e é homossexual, e uma mulher campesina afrodescendente trans que mora no interior da Bolívia. “Ambos integram a comunidade LGBTI, mas há que se viabilizar as diferenças. O direito tem que romper com a indiferença às diferenças”.
Além disse, a professora destacou que futuro do sistema internacional de proteção aos direitos humanos está condicionado aos mecanismos nacionais, de forma a intensificar o diálogo jurisdicional. A questão foi reforçada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, que destacou exemplos das cortes superiores voltados ao controle da convencionalidade.
O uso e interpretação da aplicação de medidas, como do Pacto de São José da Costa Rica – que se baseia na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e compreende o ideal do ser humano livre, isento do temor e da miséria e sob condições que lhe permitam gozar dos seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como dos seus direitos civis e políticos – depende do diálogo institucional, para que não haja decisões contrárias e contraditórias em instâncias ou ramos da Justiça.
Na Justiça do Trabalho por sua vez, as convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) são relacionadas aos Direitos Humanos. De acordo com o ex-conselheiro do CNJ e ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Lelio Bentes Corrêa, entre as convenções que tratam da eliminação do trabalho forçado, erradicação do trabalho infantil, direito de igualdade e liberdade sindical, há conceitos que não são contemplados pela legislação nacional. “O direito internacional – nesse caso, as convenções da OIT – traz bases doutrinárias para suprir as lacunas da legislação nacional”, pontua.
Nesse sentido, o controle de convencionalidade precisa ser bem compreendido pelos tribunais para que possam ser utilizados. “Precisamos alcançar um nível de proteção jurídica que assegure, por exemplo, às crianças e adolescentes, pleno desenvolvimento de suas potencialidades”, afirmou o ministro Lelio Bentes.
Evento
O colóquio foi promovido pela Comissão Permanente de Democratização e Aperfeiçoamento dos Serviços Judiciários e pela Comissão Permanente de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 2030, alinha-se aos Eixos da Justiça estabelecidos para a atual gestão do CNJ, quanto à proteção dos direitos humanos e do meio ambiente.
O tema “Diálogo, Diversidade e Desenvolvimento” tratado pelo evento “Acesso à Justiça” faz referência ao Dia Mundial da Diversidade Cultural para o Diálogo e o Desenvolvimento, celebrado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 21 de maio. A campanha da Unesco para 2021 defende que a “diversidade cultural é uma força para a inclusão e a paz”.
Lenir Camimura Herculano
Agência CNJ de Notícias