O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai se engajar, dentro de seus limites legais, para organizar e participar de eventos, no âmbito do Judiciário, do Executivo e do Legislativo, que visibilizem os crimes de tortura e desaparecimento forçado de pessoas. As medidas foram anunciadas nesta quinta-feira (24/6), em audiência pública da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) sobre os casos de Vladimir Herzog e de Gomes Lund (Guerrilha do Araguaia).
Por meio de notas técnicas, o CNJ buscará dialogar com o Congresso Nacional a fim de aprovar projetos de lei em tramitação nas casas legislativas, mais especificamente o PL 6.240/2013, que trata da tipificação do crime de desaparecimento forçado e o torna crime hediondo, e o que versa sobre a prevenção e a repressão (PL 5.215/2020) ao desaparecimento forçado de pessoas e medidas de atenção às vítimas. Nesse último, a proposta altera dispositivos do Código de Processo Penal, do Código Penal e da Lei dos Crimes Hediondos.
O Estado brasileiro continua sendo questionado por não cumprir as determinações da corte internacional que determinou ao país o julgamento e a aplicação de penas aos responsáveis pela tortura e morte do jornalista Vladimir Herzog, ocorrida em 1975, nas dependências do extinto órgão de inteligência e repressão DOI-CODI, durante a ditadura militar. O secretário-geral do CNJ, o juiz Valter Shuenquener, alertou para as possibilidades limitadas de atuação do Conselho em relação ao cumprimento das medidas de reparação dos casos levados à Corte.
“O alcance das atribuições constitucionais do CNJ restringe-se aos órgãos e juízes situados hierarquicamente abaixo do Supremo Tribunal Federal. Isso impacta diretamente na controvérsia dos casos apresentados, uma vez que cabe exclusivamente ao STF a análise jurisdicional alusiva à aplicação da Lei n. 6.683/1979 (Lei de Anistia), controvérsia essa enfrentada, nomeadamente, nas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 153 e ADPF 320”, afirmou. Tanto no caso Herzog quanto no caso Gomes Lund, entre os entraves está o impasse jurídico de aplicação da Lei de Anistia, ainda em tramitação no Supremo.
A decisão da corte internacional não deve sair antes de novembro, já que ainda serão analisadas as documentações trazidas pelos peticionários e pelo Estado brasileiro, que alega ter cumprido as determinações da Corte IDH. O representante do Ministério da Defesa, coronel Paulo Roberto Viana Rabelo, citou programas de capacitação e cursos permanentes em direitos humanos em diversos níveis hierárquicos das Forças Armadas brasileiras como exemplo de ação do Estado na direção do cumprimento às determinações da corte internacional.
Conduta negligente
No entanto, os representantes dos familiares e vítimas dos crimes apontaram diversas ações estatais que revelam negligência – tanto na apuração quanto na responsabilização das situações de violação dos direitos humanos – nos dois casos. Desde 1991, quando os restos mortais foram encontrados com ajuda de moradores da cidade, apenas duas ossadas do movimento Guerrilha do Araguaia, contrário à ditadura militar, foram identificadas.
“Existem 27 ossadas sob tutela do Estado brasileiro, em Brasília, há décadas, aguardando identificação. Nenhum laudo jamais nos foi apresentado. Ossos embalados em algodão, em avançado estado de decomposição. O governo brasileiro tem uma conduta negligente e desrespeitosa com os familiares dessas vítimas. Que mandem as ossadas para laboratórios, que nos permitam acompanhar esse trabalho e indicar peritos e retomar as buscas na região, com método e tecnologia eficazes. Desde 2018, não há qualquer iniciativa nesse sentido. As Forças Armadas não deveriam participar dessa expedição, mas técnicos isentos, com metodologias adequadas, seguindo protocolos científicos”, defendeu a presidente da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos de São Paulo, Criméia de Almeida. Sobrevivente da guerrilha, ela busca, entre os 62 desaparecidos, a ossada de seu filho.
Beatriz Galli, integrante do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil), apontou o desmonte de políticas públicas em direitos humanos nos últimos anos, omissões e desacatos institucionais do Estado brasileiro e sua militarização como obstáculos para a realização da Justiça. “Estamos lidando com constantes violações à memória dos crimes cometidos durante a ditadura militar e uma clara violação à Convenção Americana por meio de juízes que não aceitam as denúncias.”
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O coordenador da Unidade de Monitoramento e Fiscalização das decisões da Corte Interamericana do CNJ (UMF/CNJ), juiz Luís Geraldo Lanfredi, citou que a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas passou a integrar o ordenamento jurídico brasileiro com força de norma supralegal, “de acordo com o entendimento atual do STF” e que, após ouvir as partes do caso Herzog e Gomes Lund, “vai encaminhar as demandas e ajudar a construir parâmetros interpretativos que possam sensibilizar o Sistema de Justiça como um todo”. Entre as sugestões colhidas, deverá ser organizado um painel, no Portal do CNJ, com a finalidade de conferir visibilidade a magistrados e magistradas em relação à produção jurisprudencial do tribunal interamericano.
Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade, em seu relatório final, apontou o nome de 377 agentes do Estado responsáveis por crimes contra 434 vítimas mortas ou desaparecidas durante a ditadura militar, de acordo com a categoria de responsabilidade. Foram feitas 29 recomendações, mas poucas saíram do papel. O Ministério Público Federal chegou a protocolar ações, mas estas não foram adiante.
Estavam presentes à audiência, entre outras autoridades, o embaixador brasileiro na Costa Rica, Antônio Francisco da Silva Neto, integrantes do Ministério Público Federal e do Ministério da Defesa, assim como representantes da sociedade civil, de familiares de vítimas de tortura e desaparecimento.
Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias