O papel da cooperação de natureza administrativa para promover a evolução de procedimentos na Justiça que aumentem sua eficiência e os benefícios dos atos conjuntos e concertados para acelerar o andamento das ações judiciais e encontrar soluções mais justas foram destacados em dois painéis da Reunião dos Núcleos e Juízes e Juízas de Cooperação. O evento foi realizado na última sexta-feira (6/8) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O professor-associado da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), advogado e consultor jurídico Fredie Souza Didier Junior falou sobre a importância da edição da Resolução CNJ n. 350/2020 quanto ao disciplinamento da cooperação interinstitucional. “O papel do CNJ é muito importante, porque ele é um observador, um promotor e um consolidador dessas práticas de cooperação administrativa que podem ser desenvolvidas no Brasil.”
Para ele, é plenamente viável que o Judiciário realize cooperação de natureza administrativa com um litigante habitual, uma vez que esta integração não se confunde com o mérito das controvérsias em análise nos autos. O foco é, por exemplo, viabilizar a organização de infraestrutura judiciária para dar conta dos processos envolvendo aquele litigante habitual.
Este tipo de cooperação, segundo Didier Junior, está ancorado na legislação brasileira que deixa claro que é possível cooperar para a prática de qualquer ato e não só para a prática de atos processuais. “Imagine, por exemplo, que dois órgãos judiciários cooperem para fazer mutirões, para compartilhar equipe de servidores, compartilhar a sede em juízo, compartilhar informações.”
Autointitulado entusiasta da cooperação judiciária, o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) Alexandre Antonio Franco Freitas Câmara se disse convencido de que o desenvolvimento de uma cultura de cooperação judiciária é que permitirá avanços em termos de eficiência da atividade jurisdicional. “Não podemos esquecer que o Poder Judiciário não exerce apenas atividade jurisdicional. Exerce também atividades administrativas que darão suporte à atividade jurisdicional.”
O magistrado deu vários exemplos de atos de cooperação administrativa, como o uso do Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (Sisbajud). “É claro que isso é um ato de cooperação administrativa interinstitucional entre o Poder Judiciário e o Banco Central”, afirmou, enfatizando que “isso tudo mostra que a cooperação administrativa é fundamental para a eficiência da atividade jurisdicional”.
Para dar efetividade à cooperação de natureza administrativa, Câmara destacou a importância do papel das corregedorias de Justiça. “Isto é fundamental, porque, sem as corregedorias, não conseguimos operacionalizar muitos desses atos de cooperação. Não que a corregedoria tenha que participar do ato concertado, mas ela precisa estar ciente do que está acontecendo para haver a operacionalização.”
Para ele, todo o Sistema de Justiça precisa aderir a cooperação enquanto cultura, incluindo o Poder Judiciário e todos os atores do sistema de Justiça, seja Ministério Público, OAB, procuradorias de estado e de município, polícia, Defensoria Pública. “E aí nós conseguimos fazer com que, através da cooperação, possamos dar cumprimento a algo que é a norma fundamental do direito processual e norma da função administrativa que é o princípio da eficiência do Estado.”
O painel foi moderado pelo presidente do Comitê Executivo da Rede Nacional de Cooperação Judiciária, conselheiro Mário Guerreiro, que enfatizou a relação da temática com a própria atribuição do CNJ, de exercer o controle administrativo e financeiro do Judiciário. “Neste sentido, buscamos cooperar com os tribunais e, naturalmente, é uma cooperação de natureza administrativa. Assim, é um tema que interessa a gente conhecer melhor e avançar.”
Cooperar para acelerar processos
Com o título “Pedidos de cooperação, atos concertados e atos conjuntos”, o segundo painel do dia foi mediado pela juíza auxiliar da Presidência do CNJ Trícia Navarro. Os atos conjuntos e concertados são aqueles em que os órgãos jurisdicionais estabelecem o diálogo entre si em torno de um ou mais processos judiciais ou para a prática de atos mais complexos relacionados a esses mesmos processos.
Segundo o CPC, deve-se sempre considerar a preservação da figura do juiz natural e não implicar em esvaziamento de competência. Este tipo de cooperação tem forte impacto sobre o tempo de tramitação de processos, como, por exemplo, em casos de recuperação judicial, quando há ações tanto na justiça trabalhista quanto estadual.
Sob uma análise econômica do direito, o juiz do TJRJ e presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), Bruno Vinícius da Rós Bodart, alertou que a demora no processo faz diferença para fins de mudança de comportamento na sociedade e isso impacta na própria função que o Judiciário tem na sociedade. “O que a literatura de análise econômica do Direito explica é que essa demora do processo influencia as negociações por um acordo de diversas formas.”
Bodart mencionou um estudo do professor Ivo Gico do UniCeub, em Brasília, que aponta que há uma correlação inversa entre a celeridade do processo e a probabilidade de acordos. “A perspectiva de postergar o cumprimento das obrigações tende a afastar do Judiciário as partes que têm um bom direito e atrair as partes que têm um direito ruim e que têm interesse em protelar o processo para ter um benefício não relacionado realmente à justiça da sua causa”, afirmou. “A Resolução 350 veio em excelente hora para nos ajudar a solucionar esse problema de travamento dos processos, melhorar a gestão do acervo e, com isso, propiciar uma maior celeridade processual, que, no final das contas, beneficia a própria população.”
Já o juiz do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) Marco Bruno Miranda Clementino afirmou que é necessário analisar a cooperação a partir do conceito de competência e na perspectiva de que esse conceito é um desdobramento da soberania. “No Direito Internacional hoje a gente começa a questionar de certo modo essas estruturas hierárquicas e começa a falar em diálogo. Isso se projeta também para a atividade jurisdicional”, pontuou, destacando que é importante ligar para o colega para estabelecer um diálogo que vai ser fundamental para solução de determinado problema jurisdicional.
Clementino citou alguns atos de cooperação que já realizou, entre os quais a prática de atos concertados com a Justiça do Trabalho na 6ª Vara. “Ao que me consta a primeira audiência concertada da história do Brasil foi realizada entre mim e um colega da Justiça do Trabalho do Rio Grande do Norte e é muito comum que aconteça hoje. A cada semestre realizamos audiências concertadas duas a três vezes.”
“A cooperação nos permite a criação de arranjos operacionais e institucionais mais sofisticados na prestação jurisdicional”, informa o magistrado. Ele acredita que “estamos caminhando para a jurisdição concertada, mais do que atos concertados”.
Carolina Lobo
Agência CNJ de Notícias
Reveja o evento no canal do CNJ no YouTube