A reflexão sobre as alternativas penais enquanto respostas possíveis contra o encarceramento, embora ainda insuficientes para a construção de sociedades mais justas e igualitárias, pautou o terceiro dia do Fórum Nacional de Alternativas Penais (Fonape) nesta quinta-feira (30/9). Com tema “Encarceramento em Massa e Alternativas à Prisão: 30 anos das Regras de Tóquio das Nações Unidas”, o evento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é parte das atividades do programa Fazendo Justiça, parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e apoio do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), para incidir em desafios na privação de liberdade. Há ainda apoio do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) nas ações sobre audiência de custódia.
No primeiro painel do dia sobre o histórico da política de alternativas penais no brasil, o professor da Universidade de São Paulo Alamiro Velludo elogiou evoluções jurisprudenciais e normativas dos últimos anos, como a Resolução CNJ 288/2019, mas alertou que é preciso mais monitoramento e fiscalização para resultados. “As medidas alternativas são menos utilizadas do que poderiam ser, pois temos um problema de mentalidade, de que a única punição possível é a pena de privação de liberdade.”
O diretor de Políticas Penitenciárias do Depen, Sandro Abel Barradas, afirmou que dados do Infopen indicando a redução de pessoas encarceradas são sinal de progressos promovidos pelas medidas alternativas. “Nós estamos aperfeiçoando os números para que nós possamos fortalecer essa visão”, explicou. Ao reforçar o papel do Executivo nos 21 anos da política de alternativa penal no país , a procuradora-geral de Justiça do DF Fabiana Barreto disse que o departamento penitenciário deve ser consciente da importância das alternativas penais para que elas aconteçam de forma efetiva nos estados e nos municípios.
A coordenadora-geral do Fazendo Justiça, Valdirene Daufemback, comentou as diversas ações desenvolvidas pelo programa e disse que é preciso uma análise crítica para que a política de alternativa penal não resulte na ampliação do sistema punitivo, mas em respostas mais qualificadas e efetivas do Estado. “Precisamos avançar de forma qualitativa e não só quantitativa na execução das medidas alternativas”.
O mediador do painel, conselheiro do CNJ Marcos Vinicius, enfatizou que leis e iniciativas devem ter receptividade, engajamento e atuação coletiva de todos os participantes da execução das políticas penais. “O encarceramento tem que ser visto com a última medida.”
Regulação de vagas
O segundo painel da manhã abordou boas práticas internacionais e parâmetros do CNJ para a regulação de vagas no sistema prisional, que atualmente estão em fase piloto de discussão com o apoio do Fazendo Justiça. Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires, Pablo Vacani falou sobre a necessidade de se considerar diferentes parâmetros e variáveis no cálculo da compensação penal, não apenas a superlotação, mas também privação de visita, violências físicas, ausência de tratamento médico, entre outros.
O juiz auxiliar do Conselho Superior da Magistratura Judicial da Colômbia, Leonel Peña, destacou que o reconhecimento do estado de coisas inconstitucional no país foi insuficiente em um primeiro momento, pois resultou no aumento do espaço carcerário no país. Ao se manifestar sobre o tema novamente em 2015, a Corte Constitucional recomendou que a política criminal do país fosse alterada, estabelecendo práticas de Justiça Restaurativa e Terapêutica, com soluções alternativas que diminuíssem a quantidade de pessoas cumprindo penas.
Coordenadora da Unidade de Fiscalização e Monitoramento das Decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos do CNJ, Isabel Penido falou sobre os desafios encontrados no cumprimento das quatro medidas provisórias proferidas pela Corte ao Estado brasileiro. “A nossa proposta de construção de soluções a partir do sul global nos permite afirmar que há um legado significativo da doutrina e da experiência latinoamericana para o direito internacional.”
Coordenador de proporcionalidade penal do programa Fazendo Justiça, Rafael Barreto tratou da implementação da Central de Regulação de Vagas para a redução da superlotação das unidades prisionais, atualmente em discussão no CNJ pelo programa Fazendo Justiça. Para o mediador do debate, ministro do Superior Tribunal de Justiça, Sebastião Reis Júnior, políticas tradicionais não estão se mostrando efetivas. “Precisamos de alternativas, não podemos continuar acreditando que a solução para a criminalidade é a prisão.”
Justiça Restaurativa
No painel sobre Justiça Restaurativa, a ativista por justiça social e advogada de direitos civis estadunidense Fania Davis falou sobre como os sistemas fundados na justiça retributiva estão presos à lógica de dano. Para Davis, os sistemas ferem pessoas para ensiná-las que ferir é errado; já a justiça restaurativa cessa o dano e inicia um processo de cura.
Para que seja efetivo, esse processo precisa considerar o racismo estrutural fruto do processo histórico de subjugação e genocídio das populações indígenas e negras. “A justiça restaurativa é anterior ao genocídio indígena e à escravidão, produtos da colonização. Quando criamos esses espaços baseados em justiça e responsabilidade podemos começar a curar, iniciando um ciclo de paz e vislumbrando futuros possíveis.”
O conselheiro do CNJ Luiz Fernando Tomasi Keppen destacou a Resolução n. 225/2016 para o campo. “Vivemos avanços significativos para a justiça restaurativa. Nosso principal suporte tem sido o planejamento realizado pelo Comitê Gestor Nacional de Justiça Restaurativa”.
Durante o painel, foi lançada a tradução do Manual sobre Programas de Justiça Restaurativa, elaborado originalmente pelo UNODC em Viena. “Espero que essa tradução possa aumentar a conscientização e a compreensão do potencial da justiça restaurativa não apenas no Brasil, mas em outros países lusófonos”, destacou a representante da organização internacional Jee Aei Lee.
Fundador e professor da Escola Justiça Restaurativa Crítica, Daniel Achutti apontou a necessidade de enfrentar a cultura legalista e punitivista no Brasil que limita espaços de liberdade. “É preciso garantir mecanismos de interlocução plural, democrática e efetivamente verdadeira com a sociedade civil, na busca de uma justiça restaurativa que impacte o encarceramento seletivo no Brasil.”
Para o consultor Luís Bravo, do Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo (CEDHEP), a garantia de acesso à justiça de maneira equânime e igualitária fortalece o Estado Democrático de Direito. “Falar de justiça restaurativa é pensar no fortalecimento da democracia e permitir que as pessoas participem na construção daquilo que elas acreditam que é justo”, disse. O CDHEP é parceiro do Fazendo Justiça na execução do projeto Rede Justiça Restaurativa, que criou núcleos de justiça restaurativa em 10 tribunais.
Fonape
A programação do dia seguiu com o encerramento dos Altos Estudos em Audiência de Custódia e conferência final sobre o futuro das alternativas penais. Todos os painéis e debates estão disponíveis na íntegra no canal do YouTube do CNJ. As publicações lançadas durante o evento podem ser acessadas pelo site do CNJ.
José Lucas Azevedo e Renata Assumpção
Agência CNJ de Notícias