Com poucos servidores disponíveis e uma sobrecarga de 386 mil processos, a Vara de Execução Fiscal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) adota uma solução que, além de reforçar o quadro de pessoal, promove a reintegração social de adolescentes em conflito com a lei: recrutados como estagiários, eles ajudam na organização e autuação (montagem) dos processos de execução fiscal, que representam metade de todas as ações em tramitação na primeira instância do tribunal. No momento, trinta jovens estão em atividade, e a iniciativa já beneficiou dezenas de outros.
“Nas conversas que temos com esses jovens, sempre reforçamos que o trabalho deles é muito importante para o desenvolvimento do Distrito Federal”, contou a juíza Soníria Rocha Campos, titular da vara, ao falar que a melhora na gestão da unidade contribui para a solução das dívidas com a Fazenda Pública. “Eles sabem que o pagamento dessas dívidas pode representar mais investimentos em escolas, em hospitais. A noção de que são importantes no trabalho que realizam, aliada à percepção do apoio e atenção que recebem, resgata a autoestima e contribui para ressocialização deles”, acrescentou.
Segundo a juíza, os 15 primeiros adolescentes em conflito com a lei foram contratados em 2010, diante da escassez de servidores e do elevado número de processos, que à época chegavam a 180 mil. Desde então, em face da crescente demanda, o efetivo foi sendo ampliado até chegar aos atuais 30 estagiários, que correspondem à metade da equipe da vara.
O recrutamento dos jovens é feito por meio de parceria com a Rede Solidária Anjos do Amanhã, criada pela Vara da Infância e da Juventude do DF para apoio a crianças e adolescentes em situação de risco. Todos precisam, além de ter bom comportamento, cumprir o requisito de estar cursando o ensino médio. Depois de contratados, são avaliados periodicamente, remunerados e recebem auxílio-transporte. A maioria cumpre medidas socioeducativas. Suas atividades incluem a organização manual e a autuação dos processos, além de serviços de digitação e auxílio no atendimento ao público.
Com o apoio desses jovens, a vara adota a rotina de dividir os processos de execução fiscal em três classes: pequenas dívidas, com valores até R$ 100 mil; médias dívidas, acima de R$ 100 mil e até R$ 500 mil e grandes dívidas, superiores a R$ 500 mil. A classificação, conta a juíza, permitiu verificar a realidade da inadimplência fiscal no DF (R$ 12 bilhões no total) e teve grande impacto na organização estratégica dos trabalhos. Revelou, por exemplo, que 90% dos processos de execução fiscal são de pequenos devedores, que, juntos, respondem por 10% da dívida total no DF. Os grandes devedores, por sua vez, são alvo de 10% dos processos e responsáveis pela maior parte do débito geral.
Outra medida adotada pela Vara de Execução Fiscal do DF é a realização das chamadas semanas de conciliação. Nas audiências do Programa Conciliar é uma Atitude, as partes em conflito têm a oportunidade de buscar soluções pacíficas para as dívidas. Segundo a juíza titular, esse esforço alcança percentuais de acordos superiores a 80%. “As ações empreendidas, além de trazer celeridade à execução fiscal, promovem a cidadania tributária, contribuindo para uma mudança de cultura da execução fiscal”, ressaltou a magistrada.
Planos – O jovem G. G. R. M, de 17 anos, um dos estagiários, está animado com a experiência e acredita que ela já começou a mudar sua vida. “Aqui é bom; aprendi um monte de coisas que eu não sabia antes, como mexer com boa parte do Direito, coisas que eu nem fazia ideia, como administrar um negócio, essas coisas assim, documentação, eu não sabia como fazer. É o meu primeiro estágio, isso tem uma importância enorme, porque alguém tem de fazer esse trabalho aqui”, afirmou, antes de revelar um sonho: “Pretendo entrar na UnB (Universidade de Brasília) e fazer faculdade de Contabilidade”.
Sua colega de estágio, A. C. P. M., com 18 anos de idade completados neste mês, está grávida de cinco meses. “Estou esperando um menino”, conta ela, que também tem tirado proveito da experiência. “O estágio aqui é muito produtivo, porque a gente vai aprendendo o que a gente não sabe, como mexer com processos, com dívidas. É uma oportunidade para a gente aprender e aproveitar essa experiência em outro trabalho, no futuro”, diz, anunciando que pretende fazer faculdade de Odontologia ou Enfermagem.
O estágio na Vara de Execução Fiscal, de acordo com a juíza titular, contribuiu para que muitos adolescentes em conflito com a lei mudassem o rumo de suas vidas. Há ex-estagiários, por exemplo, cursando Direito, outros em preparação para o vestibular e também os que conseguiram emprego. “Essa é uma via de mão dupla, pois, ao mesmo tempo, traz eficiência aos trabalhos da vara e dá aos adolescentes a oportunidade de construírem uma vida melhor”, afirma a magistrada.
Para o juiz auxiliar da Presidência do CNJ Douglas de Melo Martins, coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), a iniciativa da Vara chama ainda mais a atenção pelo fato de se tratar de uma unidade judiciária cujas atribuições não estão diretamente relacionadas ao sistema socioeducativo.
“Além do resultado prático de promover a reinserção social dos adolescentes em conflito com a lei, a iniciativa da juíza Soníria Rocha Campos tem o efeito simbólico de demonstrar que todos podemos contribuir para uma sociedade mais fraterna. Tudo isso, sem deixar de fazer o registro de que esses adolescentes estão efetivamente contribuindo para o bom funcionamento da Vara de Execuções Fiscais. O fato de ser uma vara sem relação direta com a execução de medidas socioeducativas torna a iniciativa ainda mais digna ainda de homenagens”, afirmou o juiz, cujo departamento é responsável pela execução do Programa Justiça ao Jovem, voltado aos adolescentes em conflito com a lei.
Gargalos – No mês de outubro, as atividades desenvolvidas pela Vara de Execução Fiscal do DF estiveram entre as boas práticas apresentadas no Seminário Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Na oportunidade, a juíza Soníria Rocha Campos apresentou palestra em painel que discutiu os entraves administrativos e outros desafios do Poder Judiciário.
O Relatório Justiça em Números 2013, que traz uma radiografia do Judiciário com base em dados de 2012, mostrou, por exemplo, que a primeira instância da Justiça, embora responsável por 90% dos 92 milhões de processos em tramitação no país, carece de pessoal e de estrutura para responder às demandas. A Vara de Execução Fiscal do DF é um dos exemplos dessa limitação. “Sinceramente, não sei como estaríamos sem o apoio desses adolescentes”, admite a juíza titular da unidade judiciária.
Jorge Vasconcellos
Agência CNJ de Notícias