Duas experiências bem-sucedidas do uso da pesquisa como instrumento de melhoria da gestão e estrutura judiciária foram apresentadas na segunda edição de 2022 do “Seminários de Pesquisas Empíricas aplicadas a Políticas Judiciárias”, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Mediado pela juíza auxiliar da Presidência do CNJ Ana Lúcia Aguiar, o seminário realizado em 7 de abril contou com a presença da professora da Universidade de São Paulo Maria Tereza Sadek, da pesquisadora Luseni Maria Cordeiro de Aquino, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), e do juiz auxiliar do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) Rômulo Veras Holanda.
Um dos estudos detalhados no evento foi a experiência inovadora na organização judiciária do TJCE, que promoveu a alteração das competências das comarcas do interior, ampliando a produtividade. Felipe de Albuquerque Mourão, diretor do Núcleo de Apoio a Gestão de 1º Grau do Tribunal, apresentou a pesquisa “A reestruturação das comarcas do Poder Judiciário do Estado do Ceará: estudo sobre a especialização das competências nas Comarcas 2, 3, 4 e 5 unidades”. O estudo culminou na alteração das competências das comarcas cearenses que têm entre duas e cinco unidades judiciárias. A proposta não trouxe aumento de despesas e conferiu maior celeridade aos processos, corrigindo antigos problemas observados que eram um entrave à obtenção de melhores índices de produtividade e maior qualidade nas decisões judiciais.
Os problemas identificados eram provocados por questões relativas à estrutura, à ausência de especialização, aos desequilíbrios na distribuição de processos entre as unidades e à falta de padronização entre as comarcas do interior. Ao todo, eram 78 comarcas agregadas ou vinculadas, 61 de vara única, seis com varas especializadas e 39 com mais de uma unidade judiciária especializada.
A ausência de especialização gerava uma série de problemas. “A diversidade de assuntos implicava uma maior dificuldade de gestão, além de aumentar a possibilidade de erros e impactar na morosidade da tramitação processual”, exemplificou Mourão. Outro ponto era o desequilíbrio encontrado na distribuição de processos entre as unidades de uma mesma comarca. “Nas comarcas com duas unidades, a segunda vara recebia aproximadamente 60% da demanda, enquanto a a primeira recebia cerca de 40%. Já nas comarcas com três unidades, a segunda vara recebia 45% dos processos distribuídos, o que gerava um volume de acervo muito grande para o juiz responsável.”
De acordo com o servidor do TJCE, o processo de reestruturação foi iniciado em 2017, com a instituição do processo de organização judiciária dentro da Justiça cearense. Dois anos depois, a agenda de reformas relacionada à organização do Judiciário foi ampliada e, em 2021, os efeitos provocados pelas mudanças começaram a ser vislumbrados.
O novo modelo assegura, no caso das comarcas com duas unidades, duas grandes competências, uma cível e outra criminal. Procedimentos criminais ficam concentrados na 1ª Vara e os Cíveis na 2ª Vara. Quando o caso for de menor complexidade, deverá ser encaminhado para os Juizados Especiais, localizados na 1ª unidade. Já as comarcas com três unidades, tem uma dedicada à área criminal e as outras duas à área cível.
Dificuldade de acesso
O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT3) apresentou o estudo “Acesso à Justiça: mapeamento físico, institucional e socioeconômico das varas e litígios trabalhistas em Minas Gerais”. A pesquisa levantou dados sobre a distribuição espacial das varas trabalhistas, seu padrão de litígios e as condições socioeconômicas e trabalhistas dos municípios mineiros.
A pesquisa traz o acesso à Justiça como ponto central na gestão processual e na organização judiciária, considerando ainda a desigualdade de condições das partes. Também faz a correlação entre uma presença mais direta e ativa do Estado e uma melhoria nas condições de pactuação da força de trabalho. “Assim, a capilarização territorial do Judiciário Trabalhista, por meio da criação de novas varas em locais cuja demanda é inegável, contribui efetivamente para minorar as carências e ausências, do ponto de vista da organização territorial, da disponibilização de Justiça”, destacou o coordenador do Núcleo de Pesquisas da Escola Judicial do TRT3, Rubens Goyatá Campante.
De acordo com Campante, nas décadas de 1940 e 1950, as leis trabalhistas valiam para os trabalhadores urbanos, porém, nas cidades onde não havia justiça do trabalho, as questões referentes ao trabalho eram decididas pela justiça comum. Em Minas Gerais, dos 853 municípios todos estão cobertos por alguma jurisdição trabalhista, o que não ocorria antes. “No entanto, tem 131 municípios localizados a mais de 100km da sede da vara trabalhista. É importante ressaltar isso, pois a lei que rege a criação de varas do trabalho diz que isso não pode acontecer a não ser que haja facilidade de transporte. Esses 131 municípios correspondem a 7% da população brasileira, e são compostos por pessoas pobres, rurais, moradores do norte ou nordeste de Minas, Vale do Jequitinhonha.”
O pesquisador ponderou ainda que, muitas vezes, para a pessoa ser considerada empregada, é necessário acessar o Judiciário. “Mas como esse indivíduo vai ter acesso à Justiça do Trabalho se não tem esse direito onde ela reside? Na prática, novas jurisdições trabalhistas só são criadas após certo tempo grande de demandas reprimidas.”
Em sua avaliação, diante de um cenário econômico desfavorável, a precarização do trabalho é uma válvula de escape para parte do empresariado. Para ele, o aperfeiçoamento do acesso à Justiça está associado à necessidade de capilarização da Justiça, implementação de justiças itinerantes para captar essas demandas reprimidas, combate à litigância recorrente, aprimoramento do acesso dos carentes e acesso ao contrato de trabalho.
Ana Moura
Agência CNJ de Notícias
Reveja o evento no canal do CNJ no YouTube