Mudança de nome e gênero nos documentos traz esperança a pessoas trans

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Biancka Fernandes conseguiu alterar a certidão de nascimento por meio de mutirão da Justiça no Rio de Janeiro. Foto: Arquivo pessoal
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Identificado com o gênero feminino no nascimento, Danilo Alves buscou no início da vida adulta a transformação no corpo e nos documentos por se sentir estranho como mulher. As primeiras orientações sobre como utilizar um nome social foram obtidas na Defensoria Pública do Distrito Federal e o direito foi garantido em um cartório de registro civil. O trâmite desse pedido em cartórios está previsto no Provimento n. 73/2018 da Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ), que trata da averbação da alteração do prenome e do gênero em certidões de nascimento e casamento de pessoa transgênero.

Em 2018, o Superior Tribunal Federal (STF) reconheceu o direito das pessoas trans de mudar nome e gênero nos documentos sem necessidade de comprovar cirurgia de redefinição sexual ou tratamentos para mudança de gênero. O entendimento também segue legislação internacional e tratados de direitos humanos assinados pelo Brasil e foi a base para a regulamentação editada pelo CNJ para os cartórios de registro civil. São exigidos até 17 documentos, entre identificações e certidões, e é opcional a juntada de laudo médicos ou pareceres psicológicos que atestem a transexualidade.

No caso de Danilo, foi com a ajuda da Defensoria que ele conseguiu a certidão de protesto – documento que determina a transferência de qualquer pendência judicial para o novo nome. A certidão custa R$ 50, mas a Defensoria solicitou ao cartório a gratuidade e Danilo gastou ao todo R$ 20 para obter a retificação na certidão de nascimento. “Lá na Defensoria Pública me passaram a lista de documentos, entreguei tudo no cartório onde fui registrado e, com oito dias, já estava pronta a nova certidão.” Com ela, Danilo conseguiu um novo RG já com nome e gênero masculino.

Leia mais: CNJ Serviço: Saiba como alterar nome e gênero em cartório

Segundo Danilo, as dificuldades enfrentadas por uma pessoa trans são inúmeras. A família, por exemplo, insiste em o tratar como mulher e, no trabalho, o jovem não é considerado homem pelos demais. “Uma vez, o gerente falou na frente de todos que eu não era homem de verdade e que lá só tinham três homens: ele e outros dois meninos.” Mas Danilo não desanima: ele afirma que se sente feliz como homem e faz acompanhamento psicológico para continuar a transição no Ambulatório Trans, serviço especializado ligado à Secretaria de Justiça e Cidadania do Distrito Federal. O próximo passo é a mudança na carteira de trabalho. “Estou muito otimista, acredito que vai dar tudo certo, vou voltar a estudar e seguir em frente.”

Processos e laudos

Antes da regulamentação do CNJ, a utilização do nome social dependia da instauração de um processo judicial longo e complicado, como lembra a defensora pública do Distrito Federal Emmanuela Saboya, que tem uma longa experiência em retificação de nome e gênero. Havia a necessidade de duas ações judiciais – uma na vara da família, outra na vara de registros -, e ainda de laudos médicos e psiquiátricos. “A decisão do STF, em 2018, foi extremamente humana porque deu às pessoas o poder de se autodeterminar. Não é mais um juiz que diz quem a pessoa é. É uma vitória.”

Biancka Fernandes, da cidade do Rio de Janeiro, sente essa vitória todos os dias. A retificação de nome e gênero na certidão de nascimento não teve nenhum custo, por ter sido obtida no mutirão do Programa Justiça Itinerante promovido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). Antes do Provimento n. 73/2018, sem orientação e com poucos recursos financeiros, ela tentou por cinco anos e passou por onze cartórios diferentes para modificar seu nome e gênero nos documentos.

Biancka se sentiu acolhida pelos profissionais do tribunal. “Eu passei por muitas dificuldades, por isso é de extrema importância essa mudança, nasci de novo. Tenho a esperança de não passar mais por certas turbulências”, conta ela, que já sofreu preconceito e violência policial. “Ainda me olham diferente no ônibus para o trabalho, mas estou feliz e orgulhosa. Minha mãe me acompanhou quando consegui colocar o nome que eu escolhi. É uma grandeza para mim mostrar o documento com o nome feminino.”

O juiz André Brito, do TJRJ, trabalha atendendo diversas demandas do público LGBT e avalia que o tribunal mostrou que não tem preconceito. “As pessoas se sentem bem-vindas, acolhidas, percebem que o Poder Judiciário está lá para elas.” Segundo ele, o público dos atendimentos da Justiça Itinerante é muito carente, muitos nem chegaram a buscar a redesignação pela via administrativa. Apesar do ganho na simplificação do processo de retificação via cartório, o magistrado vê como desafios a redução da exigência para apresentação das certidões e a previsão de troca para o gênero “não binarie”.

Texto: Thayara Martins
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias

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