Seminário aborda impactos da litigância predatória sobre vulneráveis e sobre a democracia

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Conselheiro do CNJ, Min. Vieira de Mello Filho, na abertura do 1º Seminário Dados e Litigância: experiências do Judiciário brasileiro no monitoramento da litigância predatória. FOTO: Gláucio Dettmar/Agência CNJ
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As estratégias de litigância predatória e as medidas que o Judiciário brasileiro tem adotado para enfrentar essa prática que aumenta o tempo de tramitação das ações e causa prejuízos aos cofres públicos foram abordadas no 1.º Seminário Dados e Litigância – Experiências do Judiciário Brasileiro no Monitoramento da Litigância Predatória. O evento foi promovido pela Corregedoria Nacional de Justiça e ocorreu nesta quarta-feira (30/11), na sede do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Brasília.

Na abertura, o conselheiro do CNJ Vieira de Mello Filho ressaltou a importância de o tema ser alvo das preocupações da Justiça. “Como juízes, ou nós entendemos a complexa teia de poder que pode desvirtuar o direito ou seremos reféns desse processo. Ao lado de outras práticas que violem o devido processo legal, a paridade de armas e a competição pelo mérito, a litigância predatória deve ser objeto de nossas preocupações fundamentais. Ainda mais quando se está diante de litigantes poderosos ou de causas de massas, que afetem muitas pessoas, principalmente vulneráveis, ou a própria democracia”, afirmou.

Vieira de Mello Filho apresentou os tipos de estratégias de litigância predatória em três espécies. Uma delas é a endoprocessual, o tipo mais comum, evidenciado, por exemplo, nos excessos de pedidos, impugnações e intervenções vistos nos processos criminais. Ele citou também a estratégia extraprocessual, que busca desacreditar o Judiciário e a magistratura a partir de interesses privados, além daquelas que trabalham com a manipulação da tecnologia. “A tecnologia pode ser um perigoso instrumento de dominação. Uma vez que sua escolha não é neutra e acaba sendo feita em grande parte por agentes empresariais, sem transparência, ou qualquer filtro democrático, podendo estar a serviço de grandes poderes econômicos, inclusive para predição das decisões”, disse.

Desigualdade

A juíza auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça Priscila Costa Corrêa avalia que a litigiosidade repetitiva é um fenômeno típico do Judiciário brasileiro, marcado por um contexto de desigualdades socioeconômicas. “Temos demandas demais e demandas de menos. Precisamos nos apropriar desses dados para pensar políticas judiciárias e formas de tratamento adequado para esses conflitos”, disse a magistrada que mediou o Painel 1 sobre judicialização e perfis de litigantes no Judiciário brasileiro.

Especialista em desigualdades no Sistema de Justiça, a promotora de Justiça do estado de São Paulo e professora titular da Universidade de São Paulo (USP) Suzana Henriques da Costa apresentou dados que desconstroem o senso comum de que haveria uma explosão de litigiosidade no Brasil, ou seja, o súbito aumento de processos. “Também não podemos dizer que temos uma sociedade muito litigante ou belicosa. O que temos é uma grande oligopolização do Sistema de Justiça, que acaba sendo operado por grandes litigantes que, muitas vezes, operam mesmo visando vantagens”. A utilização de novas tecnologias nos Sistemas de litigância e de Justiça foi abordada pelo advogado Dierle Nunes, professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). “Temos um nível de conflituosidade da ordem de 69%, mas apenas 1% da população encaminha o problema para uma instituição formal, ou seja, o nível de acesso é baixo, o que revela que o tipo de litigante é muito específico. Temos de estudá-lo e trabalhar com outros players para barrar essa litigância no início”, disse.

Enfrentamento à litigância predatória

A Resolução CNJ n. 349/2020 instituiu o Centro de Inteligência do Poder Judiciário (CIPJ) e a Rede dos Centros de Inteligência do Poder Judiciário. Suas atividades são estruturadas sobre três pilares: monitoramento de demandas repetitivas; prevenção e o tratamento de conflitos repetitivos; e aperfeiçoamento da gestão do sistema de precedentes.

Algumas ações dos Centros de Inteligência da Justiça no enfrentamento à litigância predatória foram apresentadas pela juíza do Centro de Inteligência da Justiça Estadual do Mato Grosso do Sul Thielly Dias de Alencar Pithan e pela coordenadora do Centro de Inteligência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), a juíza Luciana Yuki.

Sobre esse trabalho, a juíza auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça Daniela Madeira citou experiências da Justiça Federal. “Há um monitoramento contínuo da litigiosidade, verifica-se o foco dessa litigiosidade e há uma emissão de uma nota técnica, que possa servir para orientação no enfrentamento do problema”, contou a magistrada que trabalhou no Centro da Justiça Federal do TRF2 entre 2020 e 2022.

O Centro de Inteligência mato-grossense do sul emitiu quatro notas técnicas diagnosticando problemas de demandas predatórias, com medidas de prevenção. Foram identificados mais de 137 mil processos desse tipo no judiciário desse estado. A primeira nota técnica foi relativa a uma litigância envolvendo pessoas vulneráveis, entre elas, indígenas. Um grupo de seis advogados pertencentes ao mesmo escritório era responsável pela distribuição de mais de 49 mil ações no estado, que representa 36% dos processos em andamento.

“Temos de deixar bem claro que demandas repetitivas não são demandas predatórias. É preciso trazer soluções personalizadas e eficientes para o jurisdicionado e para a gestão judiciária”, apontou Luciana Yuki, durante sua apresentação, que reforçou a importância da cooperação institucional. Segundo a magistrada, o Centro de Inteligência tem essa proposta e competência de integrar outros atores também relevantes para gerar resultados na prevenção e tratamento das demandas litigantes, assim como em relação às predatórias.

O conselheiro Marcello Terto reforçou a importância da integração do sistema. “Acredito no modelo de ação e inteligência, que envolva todos os atores do sistema para combater e reprimir as ações predatórias. A cooperação tem que ser interinstitucional, inclusive com a Ordem dos Advogados do Brasil”.

O tema foi discutido nos painéis “Judicialização e Perfis de litigantes no Judiciário Brasileiro”, “A Experiência dos NUMOPEDES e dos Centros de Inteligência do Poder Judiciário no enfrentamento da Litigância Predatória” e “Monitoramento da Judicialização Cível”, expostos por representes do Judiciário de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Tocantins, e do Tribunal Regional Federal da 2.ª e da 5.ª Região, do Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª e da 4.ª Região, além das boas práticas pela própria Corregedoria Nacional de Justiça.

Texto: Regina Bandeira
Edição: Jônathas Seixas e Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias