A criação de um Conselho Nacional de Autorregulamentação da Informação é defendida pelo conselheiro Marcelo Nobre, em artigo divulgado nesta segunda-feira (13/07) na Folha de S.Paulo. No texto, o conselheiro fala sobre a revogação da Lei 5.250 de fevereiro de 1967 ( Lei de Imprensa), os efeitos que essa revogação está produzindo e sugere que a criação do Conselho de Autorregulamentação pode ajudar na formulação de uma nova lei de informação.
De acordo com Marcelo Nobre, é preciso se encontrar uma regulamentação que permita a coexistência da imprensa livre e de um cidadão protegido em sua privacidade. Na avaliação do conselheiro, “somente uma lei especial de informação pode garantir esses direitos de maneira duradoura e segura” . O conselheiro Marcelo Nobre explica ainda que, devido à demora do processo legislativo, o Conselho Nacional de Autorregulamentação da Informação poderia colaborar na produção da nova lei de informação. Marcelo Nobre também chama a atenção para a necessidade de união entre as empresas de comunicação, os jornalistas e as associações e, ainda, a OAB e a sociedade civil organizada. Para o conselheiro do CNJ, o momento é “propício para dar esse primeiro e importante passo”.
Confira abaixo a íntegra do artigo
Lei de imprensa: por onde começar?
MARCELO NOBRE
O processo legislativo é, por boas razões democráticas, mais demorado do que as necessidades prementes de regulamentação
NO FINAL do mês de abril, o Supremo Tribunal Federal retirou integralmente do ordenamento jurídico a lei 5.250, de 9 de fevereiro de 1967 -conhecida como Lei de Imprensa. No curto espaço de tempo entre o início do julgamento da ação de arguição de descumprimento de direito fundamental que pretendia ver declarada a citada lei como inconstitucional e o seu julgamento final, foram poucos os que se posicionaram contra a declaração de inconstitucionalidade integral da Lei de Imprensa naquele momento.
O receio desses poucos era o da possibilidade de um caos jurídico em relação aos inúmeros processos em trâmite fundamentados na Lei de Imprensa, bem como a preocupação de ausência de previsão legal para casos futuros.
No próprio STF, a maioria dos ministros e também inúmeros defensores da inconstitucionalidade total da Lei de Imprensa sustentaram que a norma em questão não faria falta e que eventual vácuo jurídico seria preenchido pelos códigos Civil, Penal e até Eleitoral, por analogia.
Não podemos concordar com a possibilidade de que questões importantíssimas como a privacidade frente a imprensa e todos os outros direitos atinentes a ela fiquem no vazio normativo. E não se pode admitir que veículos de informação que atuam com responsabilidade sejam fechados em razão de condenações de valores significativos a título indenizatório. Há que encontrar uma regulamentação que permita a coexistência da imprensa livre e de um cidadão protegido em sua privacidade.
Acreditamos que somente uma lei especial de informação pode garantir esses direitos de maneira duradoura e segura. O inesquecível jurista e professor Freitas Nobre ensinava: “Como equiparar uma ofensa à honra praticada por um cidadão comum e uma outra cometida através da imprensa? Indispensável levar em conta a ausência do “animus” e a intenção de informar, como em geral ocorre nos delitos de opinião? As agravantes, as atenuantes ou as excludentes de criminalidade não são as mesmas para o crime comum e o delito de imprensa.
Se inserirmos todos esses dispositivos no Código Penal, ter-se-á uma Lei de Imprensa dentro desse código. Mais prático é mantê-la autônoma”. Vivemos um momento de interpretações esparsas, em que alguns juízes aplicam leis gerais para casos específicos de imprensa, mas outros juízes, não; em que tribunais determinam a extinção de todas as ações fundamentadas na Lei de Imprensa revogada.
Isso mostra, a nosso ver, que o STF poderia ter modulado os efeitos da sua decisão -como já o fez em inúmeros casos-, determinando que apenas as futuras ações não pudessem ser fundamentadas na lei revogada, prestigiando, assim, a segurança jurídica e evitando o caos que presenciamos nos processos em andamento.
O surgimento desse vácuo normativo e do acréscimo de recursos e ações fez com que algumas pessoas repensassem a necessidade de uma nova lei da informação. Ocorre que o processo legislativo é, por boas razões democráticas, mais demorado do que as necessidades prementes de regulamentação que já se mostram. Enquanto não dispomos de uma nova lei da informação, gostaríamos de apresentar uma ideia que pode ser rapidamente implementada e que pode auxiliar não só nesse momento de vácuo jurídico mas também em um momento de plena regulamentação.
Há aproximadamente 25 anos, o citado jurista Freitas Nobre inseriu na agenda de discussões para a atualização e democratização da Lei de Imprensa a criação de um Conselho Nacional de Autorregulamentação da Informação. Alguns anos depois, surgiu o hoje bem-sucedido Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar).
Essa proposta de conselho é hoje defendida por vários operadores do direito, como o presidente do STF e do CNJ, ministro Gilmar Mendes.
É certo que a criação desse conselho só será possível se houver uma união de esforços entre as empresas de comunicação, os jornalistas e as associações e, ainda, a OAB e a sociedade civil organizada. Mas acreditamos que o momento seja propício para dar esse primeiro e importante passo.
O resultado dessa união poderia ser um órgão privado de autorregulamentação estruturado e dirigido pelos próprios segmentos que representam, contribuindo para a prevenção, bem como para o reparo de informações divulgadas pelos diferentes meios de comunicação.
Um órgão cuja instalação pode colaborar em muito para a consecução da própria tarefa urgente e complexa da produção de uma lei da informação democrática e moderna pelo Congresso Nacional.
MARCELO ROSSI NOBRE, 42, advogado, é representante da Câmara dos Deputados no CNJ (Conselho Nacional de Justiça).