Eleito como uma das principais diretrizes da atual gestão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o combate à cultura do encarceramento ganhou ainda mais fôlego diante dos recentes números do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen), divulgados pelo Ministério da Justiça nesta terça-feira (23/6), que apontam que a população carcerária no Brasil já atinge 607.731 pessoas. Ainda de acordo com o relatório, quatro em cada dez presos no Brasil estão atrás das grades aguardando julgamento, sendo que 60% deles estão há mais de 90 dias na cadeia.
Ciente da realidade de superlotação nos presídios, o presidente do CNJ, ministro Ricardo Lewandowski, determinou agilidade na negociação com os Tribunais de Justiça e governos estaduais para implantação do Projeto Audiência de Custódia. A proposta de apresentar os presos ao juiz no prazo de 24 horas dá um tratamento revolucionário e eficaz às determinações do Pacto de San Jose da Costa Rica, internalizado pelo Brasil em 1992.
“Nós não temos estabelecimentos prisionais adequados e suficientes para abrigar uma população de presos que cresce em escala geométrica. Ao desenvolvermos esse projeto, vamos conseguir mudar completamente a realidade horrorosa das prisões no Brasil. Faço um apelo para partirmos na frente, mostrando que o Judiciário tem condições de fazer coisas novas”, afirmou Lewandowski em recente encontro com os presidentes dos TJs.
Experiências – A iniciativa está sendo desenvolvida na cidade de São Paulo desde fevereiro deste ano. De 3.674 detidos desde então, 1.575 (ou 42,87% do total) foram colocados em liberdade provisória após se apresentarem a um juiz que analisou pessoalmente cada caso. Todas as nove seccionais estão participando do projeto, que ganhará, até o fim deste mês, a adesão dos departamentos especializados.
No fim de maio, as audiências de custódia foram levadas ao Espírito Santo. Dos 641 detidos, 323 (ou 50,39% do total) foram liberados, sendo que 258 estão sendo monitorados eletronicamente ou receberam alguma outra medida cautelar. São esses instrumentos que permitem que os presos tenham garantidos seus direitos fundamentais ao mesmo tempo em que não há brechas para a impunidade.
“Esse projeto garante que o preso seja apresentado ao magistrado em 24 horas, recuperando a ideia original do habeas corpus, para dar a sua versão dos fatos, o que é fundamental em termos de direitos humanos. É preciso acabarmos com a cultura do encarceramento e aumentar a aplicação das medidas alternativas”, defende o ministro Lewandowski.
Na segunda-feira (22/6), o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão e o governo do estado assinaram termo de compromisso aderindo ao projeto nacional do CNJ. O estado foi o primeiro a implementar as audiências de custódia no país, em outubro de 2014, mas a iniciativa desenvolvida no estado era diferente porque não envolvia o chamado “escopo restaurativo”, que prevê a criação ou fortalecimento de centrais integradas de alternativas penais, centrais de monitoramento eletrônico, centrais de serviços e assistência social e câmaras de mediação penal.
Ao longo dos próximos dois meses, outros 14 estados firmarão termo de compromisso adotando as audiências de custódia. Em julho, Minas Gerais, Mato Grosso, Tocantins, Paraná e Rio Grande do Sul receberão a visita do ministro Ricardo Lewandowski para oficializar o projeto em suas capitais. Em agosto, estão previstas as adesões de Pernambuco, Paraíba, Amazonas, Piauí e Ceará. O Rio de Janeiro deve aderir ao projeto do CNJ em setembro.
Reconhecimento – A confiança depositada no projeto capitaneado pelo CNJ levou associações de magistrados a elogiarem publicamente as audiências de custódia. Em março, o Conselho de Representantes da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) manifestou apoio formal à iniciativa. De acordo com o presidente da AMB, João Ricardo Costa, a magistratura tem papel fundamental para fazer valer o compromisso assumido pelo Brasil na Convenção Americana de Direitos Humanos. “As audiências de custódia são um instrumento efetivo de combate à tortura e uma forma de garantir o controle do ingresso de presos no sistema prisional brasileiro. A situação caótica que temos visto em diversos presídios pelo país exige medidas concretas de combate”, ressaltou.
Em maio, foi a vez de a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) enviar ofício ao CNJ congratulando o Conselho pelo projeto e informando que vai incentivar a execução experimental em varas federais nas capitais. A Ajufe ainda destacou que apresentou ao Congresso Nacional nota técnica à alteração do artigo 306 do Código de Processo Penal para estabelecer o prazo de 24 horas para a apresentação do preso em flagrante à autoridade judicial. O assunto está sendo tratado no Projeto de Lei do Senado n. 554/2011.
Em junho, o ministro Ricardo Lewandowski recebeu uma delegação da Human Rights Watch, um dos principais organismos internacionais na área de direitos humanos, que veio ao Brasil para também manifestar apoio à iniciativa. “Acreditamos que esse é um dos mais importantes avanços que estão acontecendo hoje na área de direitos humanos no Brasil”, afirmou o diretor da Human Rights Watch para as Américas, Daniel Wilkinson. “A comunidade internacional está acompanhando essa questão. Agora as pessoas estão vendo algo acontecendo, não apenas uma ideia, uma comissão, uma força-tarefa, algo realmente sendo implementado e que pode fazer a diferença”, complementou.
Agência CNJ de Notícias