Concedido anualmente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) o Prêmio Conciliar é Legal reconhece, além das práticas institucionais, iniciativas individuais de juízes, advogados e instrutores de mediação e conciliação. Essa categoria contempla profissionais que se destacam pela criação, planejamento, implementação e institucionalização de boas práticas autocompositivas para solução de conflitos, desenvolvidas no âmbito da Justiça brasileira. Um dos agraciados, neste ano, foi o juiz federal Rafael Paulo, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), pelo trabalho realizado à frente da Seção Judiciária de Itaituba, no Oeste do Pará, onde havia 67 ações civis públicas sem expectativa de conclusão, alguns tramitando há dez anos. A maioria dos processos foi movida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra proprietários de terras e posseiros da região, por crimes ambientais.
De acordo com o magistrado, os processos tinham natureza similar: danos ambientais expressivos, principalmente desmatamento, com multas altas, referentes a propriedades sem regularização fundiária. “Chegamos à conclusão de que simplesmente dar curso a essas ações não surtiria muito efeito”, explica. Como o principal objetivo das ações era promover a reparação dos danos ambientais, foi organizada uma semana de audiências de conciliação entre os réus, o MPF e outros autores. Após o desfecho de todos os processos, 87% deles foram objeto de acordo, com aquisição, por parte dos réus, de áreas de tamanho equivalente à que tinham degradado para fins de conservação ambiental.
“Além desse resultado, muitos proprietários e posseiros ficaram satisfeitos por ter tido a oportunidade de se defenderem”, conta o juiz. De acordo com Rafael Paulo, parte dos réus havia tido incentivos do governo militar, ainda na década de 70, para ocupar a área, e muitos tinham interesse em resolver as pendências judiciais, mas não teriam como arcar com os altos valores das multas ambientais. “Inscrevemos essa prática por incentivo do MPF, para difundir a cultura da conciliação também nas ações civis públicas. Nossos objetivos eram resguardar o meio ambiente e levar proprietários e posseiros para o caminho da regularização. Não adianta somente criminalizar e punir com multas pesadas”, declarou.
Conciliação via internet – Outra iniciativa premiada em 2015 é o projeto Conciliação sem Fronteiras, idealizado pelo defensor público Cassio Bitar Vasconcelos, da Defensoria Pública do Estado do Pará (PA). A prática, implementada em 2012, tem o intuito de promover a solução de conflitos entre pessoas de comarcas distintas, que não teriam como sair de suas cidades para comparecer a uma audiência em outra localidade, seja por problema de saúde ou financeiro.
Inicialmente aplicada nas comarcas localizadas no Sul do Pará, como Xinguara, Redenção, Rio Maria e Ourilândia, a prática consiste na realização de audiências pela internet. Primeiro, o defensor busca a parceria do colega da comarca onde o reclamado reside. As audiências são feitas em Ambiente Virtual de Conciliação (AVC), que consiste na utilização de softwares de mensagens instantâneas e de uma linha telefônica em modo conferência, sem custos adicionais para a defensoria.
Um dos primeiros casos de sucesso da prática foi o da mulher que procurou a Defensoria Pública de Ourilândia para garantir o reconhecimento do filho de 12 anos pelo pai, residente em Redenção, que se recusava a registrar o filho e contribuir com o seu sustento mesmo com a comprovação de paternidade por exame de DNA. Por meio do AVC, os defensores de ambas as comarcas coordenaram a conciliação, que culminou na estipulação de valor da pensão e na assinatura de termo de reconhecimento de paternidade.
“Fechamos centenas de acordos já nas primeiras audiências e com a participação de dois defensores, o que confere ainda mais legitimidade aos acordos”, afirma Vasconcelos. O defensor conta que o AVC foi institucionalizado e hoje vem sendo aplicado em várias comarcas. Além de significar alívio para os assistidos doentes ou de baixa renda, a prática também acelera a resolução do conflito. “Normalmente, entre a petição inicial e a carta precatória se vão meses até que as partes se reúnam em audiência. Com essa prática podemos sentar com reclamante e reclamado em, no máximo, quinze dias”, conta o defensor.
Instrutora – Servidora do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) há cerca de 12 anos, a assessora jurídica Crystiane Maria Uhlmman se tornou instrutora em mediação e conciliação para fazer frente a cultura do litígio no Judiciário. “Comecei a me incomodar com o fato de as pessoas saírem das audiências insatisfeitas na maioria das vezes. Aquilo me frustrava”. Ao invés de se render à frustração, Crystiane começou a buscar orientação para contribuir com uma mudança nesse padrão. “Participei de um curso de formação de instrutores em mediação judicial e conciliação, oferecido pelo CNJ, entre outras capacitações ministradas por outras instituições e passei a atuar como instrutora voluntária”, conta.
Inicialmente, pelo menos 150 advogados foram atendidos pelo curso preparado pela servidora. Ao todo, já são mais de 200 pessoas, entre servidores do Judiciário e prepostos. Os benefícios da instrução são atestados pelo diretor do Procon de Jaraguá do Sul (SC), Luís Fernando Almeida. O órgão de defesa do consumidor daquela comarca mantém convênio com o TJSC desde meados de 2013. “A partir do momento que fizemos essa capacitação, os funcionários ficaram mais motivados e seguros na hora da mediação. Como diretor do Procon, só tenho a agradecer. Grande parte dos nossos funcionários têm formação em Direito e, para eles, é muito positivo participar de um curso de mediação”, observa Almeida.
Ainda de acordo com o diretor do Procon, a capacitação coordenada pela instrutora tem contribuído muito para o aumento no número de acordos obtidos. “Atendemos cerca de oito mil consumidores por ano aqui no Procon. O índice de resolução é de até 94%, graças à mediação, que é extremamente importante”, reforça. Crystiane inscreveu a prática no V Prêmio Conciliar é Legal por incentivo de parceiros, no último dia do prazo, e foi uma das vencedoras. “Embora não seja esse o objetivo do projeto, o reconhecimento divulga e mostra que essa nova forma de Justiça pode dar certo”, explica.
Menção honrosa – Na categoria Juiz Individual, cinco magistrados do Tribunal Regional Federal (TRF4) receberam menção honrosa. João Batista Pinto Silveira, desembargador e coordenador do Sistema de Conciliação (Sistcon), e Eduardo Tonetto Picarelli, pela prática de expedição de precatórios e requisições de pequeno valor (RPV) em acordos homologados nos processos de competência delegada. A iniciativa evita a baixa do processo à vara de origem para proceder com os pagamentos e garante a expedição no próprio TRF4 logo após a homologação do acordo de conciliação. Ao todo, foram expedidos 908 RPV entre junho e novembro de 2014. A prática tem abreviado o pagamento dos acordos em até um ano.
As juízas federais Micheli Polippo, Érika Reupke e Simone Barbisan Fortes, do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscon) de Santa Catarina, também receberam menção honrosa pelo projeto “Conciliando pela Paz”. A prática investe na cultura da prevenção, divulgando os benefícios sociais e econômicos da conciliação em escolas de comunidades carentes.
Na categoria Advocacia, Anderson Couto do Amaral recebeu menção honrosa pelo trabalho desenvolvido na Câmara de Conciliação e Mediação, do Conselho Regional de Odontologia do Amapá (CRO/AP). A prática consistiu na negociação de dívidas de profissionais junto ao conselho, reduzindo o número de ações de execuções fiscais que poderiam ter sido ajuizadas contra cirurgiões-dentistas, consultórios, clínicas especializadas, técnicos e auxiliares em saúde bucal, entre outros profissionais ligados ao CRO. Na categoria Instrutores de Mediação e Conciliação, não houve menção honrosa.
Prêmio – Lançado em 2010, alinhado à Resolução 125/2010 do CNJ, o Prêmio Conciliar é Legal é uma iniciativa do Comitê Gestor Nacional da Conciliação, coordenado pelo conselheiro Emmanoel Campelo, e reconhece práticas de sucesso, estimula a criatividade e dissemina a cultura dos métodos consensuais de resolução dos conflitos em todo o país. A entrega do prêmio está marcada para o próximo dia 30/6, em Brasília (DF).
Elizângela Araújo
Agência CNJ de Notícias
Ataulizada às 16h do dia 25/6/15