A primeira audiência de custódia de Santa Catarina resultou não apenas na agilidade e humanização do tratamento ao preso em flagrante, mas em providências para apurar suposto caso de violência policial relatada pelo custodiado. A coibição de atos de tortura é um dos objetivos do projeto desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que consiste na apresentação do preso em flagrante a um juiz em 24 horas. Se antes a primeira audiência poderia demorar meses, agora o juiz tem mais elementos para decidir se houve abusos por meio de exames médicos e outras apurações mais eficazes, se realizadas em um prazo menor.
Com a presença do presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, a audiência inaugural tratou da prisão em flagrante de um homem de 30 anos por tentativa de furto qualificado em Florianópolis. Dispensado do emprego há 15 dias, morador de rua e usuário de crack, ele foi surpreendido pela polícia ao tentar invadir um imóvel na companhia de outra pessoa. Ao ser questionado se houve maus-tratos durante a prisão, disse que foi agredido mesmo sem esboçar resistência. “Tomei tapa, chute e empurrão, fui jogado no chão igual um lixo, igual um animal”, relatou, acrescentando que iria roubar para comer e para sustentar o vício.
Mesmo com uma condenação por agressão cumprida quando ainda morava em Curitiba, o preso teve a liberdade condicional solicitada tanto pelo Ministério Público quanto pela Defensoria Pública, que não encontraram fundamentos na legislação penal para a manter a prisão preventiva. As instituições também pediram realização de exame médico e apurações complementares sobre os relatos de agressão. O juiz Rafael Sandi acatou os pedidos e determinou a liberdade do preso sob as condições de se apresentar mensalmente em juízo e ao serviço social da comarca, além da proibição de frequentar bares e boates e de se afastar da comarca sem avisar.
O juiz também deixou clara a responsabilidade do custodiado sobre o que aconteceria com ele dali em diante. “Esta é uma liberdade sob condições, e você terá de cumprir requisitos, senão ela pode ser tanto agravada quanto abrandada. Vai depender da atitude que tomar de agora em diante”, disse. Antes de iniciar a audiência, o magistrado afirmou que o projeto da atual gestão do CNJ é um marco no processo penal brasileiro. “Na Europa e em diversos países do mundo existe este sistema. Chegamos atrasados, mas em boa hora”, comentou.
Violência – Embora Santa Catarina não seja considerado um estado violento, com taxa de encarceramento menor que a média do país (266,3 por 100 mil, contra 300 por 100 mil no Brasil), a população tem vivido momentos de tensão nos últimos anos devido a onda de violência promovida por facções criminosas, como incêndios em ônibus e depredação de postos policiais. Investigações iniciais apontaram que uma das supostas causas para o ordenamento teria sido a tortura e os maus-tratos sofridos pelos presos dentro da cadeia – alguns atos foram inclusive registrados em vídeo e divulgados em cadeia nacional.
Em discurso dirigido a autoridades, o governador Raimundo Colombo classificou os ataques como o pior momento de sua gestão e destacou o esforço do estado para mudar essa realidade. “Nenhum governo está preparado para isso. Eu assumi em 2011 e, de repente, começaram a queimar ônibus, eu não sabia o que fazer. Como foi difícil, com certeza o pior momento que eu vivi nesses quatro anos e meio. Graças a Deus conseguimos mudanças e há muito a fazer ainda, mas a solução não é apenas encher os presídios de gente. Precisamos de alternativas melhores como a audiência de custódia que está sendo apresentada hoje em Santa Catarina”, disse.
O governador também destacou engajamento em ações preventivas e de reintegração, como o oferecimento de trabalho aos detentos e o lançamento de campanha antidrogas. De acordo com o presidente do CNJ, os poderes devem trabalhar em conjunto com a sociedade para enfrentar a questão carcerária. “Com medidas concertadas vamos tentar vencer esse grande flagelo que é o crime organizado, que é um verdadeiro câncer que está na sociedade juntamente com as drogas”, disse.
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Deborah Zampier
Agência CNJ de Notícias