Depois de cinco meses com a linha telefônica cortada, mesmo com todas as faturas pagas, o alagoano Erivaldo Alves conseguiu resolver o conflito com a operadora de forma simples. Ele procurou o Juizado Especial Cível em Maceió e rapidamente conseguiu fazer um acordo. “Estou muito satisfeito com o trabalho feito pela Justiça. Saímos dessa audiência com o problema resolvido e um sentimento de felicidade”, comemorou.
A facilidade experimentada por Erivaldo é mesma sentida por milhares de brasileiros que há 20 anos têm recorrido aos Juizados Especiais Cíveis e Criminais em todo o país. Criados pela Lei n. 9.099/1995, eles têm o objetivo de atender o cidadão nas questões jurídicas de menor complexidade com celeridade e simplicidade. Desde 2001, por meio da Lei n. 10.259, o sistema dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais foi estendido à Justiça Federal.
Atualmente, existem no Brasil 1.534 Juizados Especiais na Justiça Estadual e 213 na Justiça Federal. Segundo o Relatório Justiça em Números 2014, publicado neste mês pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tramitam nos juizados cerca de 7,2 milhões de processos. Número justificado pela facilidade de acesso a esse ramo da Justiça.
“Os Juizados Especiais revolucionaram o acesso à Justiça, abrindo as portas do Judiciário para a população”, analisou o presidente do Fórum Nacional de Juizados Especiais (Fonaje), juiz Gustavo Diefenthäler, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), ao avaliar os 20 anos de implantação dos juizados no país. Para o magistrado, entre os grandes avanços alcançados está a efetividade do Código de Defesa do Consumidor proporcionada pelos juizados.
Os Juizados Especiais podem atuar em casos que envolvam até 40 salários mínimos, na Justiça Estadual, e 60, na Justiça Federal. Nas causas de até 20 salários mínimos, a participação de advogado pode ser dispensada. A ausência dos ritos formalistas processuais, característicos da Justiça comum, possibilitam aos Juizados Especiais condições para o aumento da produtividade com a resolução mais célere de processos. O índice de produtividade por magistrado (IPM) em 2014 nos Juizados foi de 2.027 processos baixados, segundo o Justiça em Números.
Redescobrindo os Juizados – Apesar dos procedimentos simplificados e mais ágeis, a taxa de congestionamento dos juizados chegou a 52% em 2014, de acordo com o Relatório Justiça em Números. Já estudo realizado por pesquisadores de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Brasília (UnB), a pedido do CNJ, identificou que o tempo de tramitação dos processos nos Juizados Especiais Cíveis tem sido de 200 dias em média. A realização da primeira audiência pode acontecer em até 168 dias, quando o prazo desejável seria de até 60 dias.
Para a corregedora nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi, a razão para o congestionamento e a demora podem estar no fato de que muitos magistrados estão igualando os procedimentos dos Juizados Especiais ao formalismo da Justiça comum.
“Trata-se de necessidade imperiosa a adoção de um método eficiente para gerir esse número significativo de processos. Uma gestão diferenciada daquela utilizada na Justiça tradicional, especialmente porque nos Juizados Especiais os critérios de condução do processo autorizam a simplicidade e a informalidade na administração dos grandes acervos de processos repetidos, cuja matéria é da maior importância para o dia a dia do cidadão”, avaliou a corregedora.
Propor a retomada dos ideais e valores que inspiraram a criação da Lei n. 9.099/1995 é a meta do programa “Redescobrindo os Juizados Especiais”, lançado pela Corregedoria Nacional para celebrar por ocasião dos 20 anos dos juizados. A ideia é estimular a magistratura os juízes a uma reflexão e, a partir disso, produzir uma releitura contemporânea das leis que criaram os Juizados Especiais estaduais e federais. “Ainda existem vários dispositivos que não foram totalmente implementados pelos tribunais, a exemplo do juiz leigo na Justiça Estadual, e que representam um avanço significativo no tempo de duração do processo”, justifica a corregedora.
Juiz leigo – A Lei n. 9.099/1995 prevê a atuação da figura do juiz leigo nos juizados do âmbito estadual. Tratam-se de auxiliares da Justiça, recrutados entre advogados com mais de cinco anos de experiência, que desempenham algumas funções auxiliares ao trabalho do juiz togado. Entre elas estão tentar a conciliação entre as partes; realizar audiências de instrução e julgamento, com a opção de recolhimento de provas; e pronunciar pareceres de responsabilidade dos Juizados Especiais, a ser submetido ao juiz supervisor da unidade onde está instalado. Enquanto atua como juiz leigo, o profissional fica impedido de exercer a advocacia perante o Juizado em que atua.
Apesar de todas essas facilidades, apenas 10 dos 27 Tribunais de Justiça do país adotam a figura do juiz leigo, de acordo com levantamento realizado em junho último pela Corregedoria Nacional de Justiça. São os TJs do Acre, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Paraná e Rio de Janeiro. Nos tribunais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, os juízes leigos existem, mas não em todas as Varas de Juizados Especiais. No Ceará e Rio Grande do Norte, os tribunais estão em fase de implantação da adoção desses profissionais.
O levantamento apontou também um alto índice de satisfação com o desempenho dos juízes leigos em todos os tribunais que se valem desse recurso. “O juiz leigo é um mecanismo mais avançado no desenvolvimento e na aceleração do procedimento adotado pelos juizados. Com ele, podemos multiplicar o número de audiências de instrução e julgamento realizadas”, defende a corregedora nacional de Justiça.
Desafios – Para o presidente do Fonaje, um dos maiores desafios dos Juizados Especiais hoje está na necessidade de se distanciarem dos ritos impostos pelo Código de Processo Civil (CPC), sobretudo, com a implantação dos Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), determinados pelo novo CPC, que começa a vigorar em março de 2016. “É necessário que se retome a essência, a pureza dos Juizados Especiais, resgatando os princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade”, declarou.
A corregedora Nancy Andrighi também destaca a necessidade de uma mudança de postura por parte de magistrados que atuam nos juizados. Para a ministra, eles devem ter papel mais proativo, sob pena de se igualar sistemas de justiça especial e comum, distintos e incompatíveis. “O trato diferenciado, preventivo, com os maiores demandantes ou demandados nos Juizados Especiais Cíveis é condição sine qua non para manter o sistema produtivo e atendendo as finalidades para as quais foi criado”, observou.
Waleiska Fernandes
Agência CNJ de Notícias