O estado do Rio de Janeiro gasta por ano R$ 11,8 milhões no tratamento de 13 pacientes com doença de pompe, uma patologia rara que acomete o tecido muscular, levando a um quadro de debilidade progressiva, que, com frequência, pode levar à morte. Esses pacientes têm o tratamento garantido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) graças aos processos que impetraram na Justiça. É a chamada judicialização da saúde, quando o cidadão busca o Judiciário como a última alternativa para obtenção do medicamento ou tratamento negado pelo SUS, seja por falta de previsão na Rename (Relação Nacional de Medicamentos), seja por questões orçamentárias.
De 2007 a setembro deste ano, o Rio de Janeiro atendeu por determinação da Justiça 148.591 pessoas em busca de medicamentos, transferências, leitos e outros tratamentos prescritos, mas sem expectativa de que seriam garantidos pelo SUS. O aumento da procura da Justiça para resolver essa questão – em 2007 foram 12.208 casos, enquanto em 2014 foram registrados 29.970 processos – levou o governo do estado a criar estrutura própria dentro da Secretaria de Estado de Saúde (SES) para melhor atender essa demanda, buscando mais agilidade e otimização de recursos.
Somente em 2014, a estrutura criada pelo governo do Rio de Janeiro para as demandas de judicialização da saúde custou aos cofres públicos R$ 71 milhões, atendendo cerca de 39 mil pessoas. O valor correspondeu a 1,5% do orçamento da saúde no estado, de R$ 4,5 bilhões. Para se ter uma ideia, para manter uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), o governo fluminense gasta R$ 21 milhões para atender 120 mil pacientes ao ano.
“O Judiciário se tornou uma porta de acesso da população aos SUS. Por meio da judicialização, protege-se minorias e se garante a reinserção de usuários na rede de assistência à saúde. Numa UPA você atende em quantidade, mas não é capaz de prestar o atendimento eficaz a uma doença complexa e que precisa de medicamentos e insumos específicos. O valor gasto no atendimento judicializado representa um percentual muito pequeno no orçamento da pasta e permite que o estado garanta o tratamento de quem precisa exclusivamente daquele atendimento para sobreviver”, defende o subsecretário Jurídico de Saúde do RJ, Alex Linhares.
Central – Para agilizar a prestação de serviço dos casos judicializados, em 2007 foi criada a Central de Atendimento à Demandas Judiciais (CADJ) da Secretaria de Estado de Saúde, que concentra o recebimento e o cumprimento de todos os mandados de Justiça para a saúde. Uma lista com os 50 medicamentos mais demandados por meio da Justiça tem licitação de compra realizada a cada seis meses para garantir o estoque e agilizar a entrega aos pacientes. Entre os medicamentos mais requisitados, estão o cinacalcet, usado no tratamento de doenças renais crônicas, e a insulina glargina, para o tratamento de deficiência relativa ou absoluta de insulina. Cerca de 70% dos casos de judicialização de saúde no RJ são por medicamentos e insumos.
“Na maioria desses casos, os medicamentos são de alto custo, que ainda não foram incorporados pelo SUS e até mesmo que ainda não tiveram o consumo autorizado pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]”, explica Alex Linhares.
Subsídios técnicos – Para auxiliar os magistrados na tomada de decisões acerca do tema, em 2009 a pasta criou o Núcleo de Assessoria Técnica em Ações de Saúde (NAT), uma estrutura composta por 73 servidores das áreas de Medicina, Farmácia, Nutrição e Enfermagem, que prepara pareceres sempre que juízes precisam entender melhor a demanda dos pacientes. O NAT funciona nos prédios do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e da Defensoria Pública do Estado e, agora, está sendo implantado também na Seção Judiciária da Justiça Federal no RJ. “Essa estrutura permite um relacionamento institucional extremamente sadio entre os poderes Executivo e Judiciário, a partir do momento em que atendemos às ordens da Justiça e oferecemos estrutura necessária para que a judicialização na saúde tenha eficiência”, defende Linhares.
Apesar de estar na capital, o NAT atende ao Judiciário em todo o estado. A iniciativa serviu de exemplo para implantação de núcleos semelhantes nos estados do Piauí, Mato Grosso, Espírito Santo e Pernambuco.
Mediação – Para evitar o aumento no número de processos abertos, também foi criada há dois anos a Câmara de Resolução de Litígios de Saúde (CRLS), um projeto de cooperação que reúne as Procuradorias Gerais do Estado e do Município do Rio de Janeiro, além das secretarias estadual e municipal de Saúde, as Defensorias Públicas estadual e da União, e o Tribunal de Justiça do Estado. A ideia é buscar soluções administrativas para o atendimento de cidadãos que precisam de medicamentos, exames, internações, tratamentos e transferências do SUS, evitando o ajuizamento de ações.
Por meio dessa iniciativa, entre setembro de 2014 e setembro de 2015, foram realizados 12.101 atendimentos, evitando 4.477 ações judiciais. “Se levarmos em consideração que uma ação na Justiça Estadual custa em média R$ 2.500,00, com essas mediações, a economia aos cofres públicos chega a mais de R$ 11 milhões de reais em processos não abertos”, argumenta o subsecretário da SES.
O índice de acordos realizados na Câmara de Resolução de Litígios em Saúde chega a 80% em requisições de exames e consultas; 60%, de cirurgias; e 50%, de transferências.
Judicialização – Questões ligadas à judicialização na saúde são acompanhadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desde 2009, quando foi realizada a primeira audiência pública no órgão para debater o tema. Desde então, o CNJ editou atos normativos sobre o tema, como as Recomendações n. 31 e n. 36 (de 2010 e 2011, respectivamente), que abordam a adoção de medidas que visem subsidiar os magistrados em relação às decisões envolvendo a assistência à saúde pública e suplementar, por meio da celebração de convênios com o objetivo de solucionar conflitos. Em 2014, o Conselho criou o Fórum Nacional do Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde e, no mesmo ano, também passou a realizar as Jornadas de Direito da Saúde, em que são aprovados enunciados com informações técnicas para auxiliar os magistrados na tomada de decisões em ações judiciais sobre direito à saúde.
Waleiska Fernandes
Agência CNJ de Notícias