Moradores de Maringá criam observatório para fiscalizar a gestão municipal

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Cansados de ver a cidade ser manchete de jornal por envolvimento de seus administradores em esquemas de corrupção, há oito anos um grupo de moradores de Maringá (PR) resolveu fazer algo além de lamentar: criou uma entidade filantrópica para fiscalizar os passos da gestão municipal. É o Observatório Social de Maringá (OSM), que, entre 2006 e o final de 2014, já evitou que aproximadamente R$ 80 milhões se esvaíssem dos cofres públicos pela corrupção. O projeto foi vencedor do Prêmio Innovare 2015, na categoria Justiça e Cidadania. Ele foi um dos 235 inscritos nessa categoria, lançada em 2015 para reconhecer práticas desenvolvidas por pessoas, empresas e organizações não ligadas ao Judiciário.

O OSM é composto por um grupo voluntário (atualmente são cerca de 40 pessoas) de diversas áreas, como advogados, juízes, economistas, funcionários públicos federais e estaduais, empresários, estudantes e aposentados, dispostos a fazer a checagem dos gastos públicos da Câmara Municipal, da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e das Prefeituras de Maringá e Sarandi (a 8 quilômetros de Maringá). Qualquer pessoa pode participar do Observatório, desde que não tenha filiação partidária ou possua qualquer motivação política. “O melhor prefeito para nós é o eleito, porque é com ele que vamos trabalhar. Então, temos muito cuidado em nos mantermos isentos de qualquer partido ou grupo político, para que assim sigamos com credibilidade e nossas ações possam ter resultado”, justifica a presidente da entidade, Fábia Sacco.

A metodologia do OSM é dividida em três fases. Na primeira fase, o edital da licitação é analisado e, sendo necessário, é solicitada ao poder público a impugnação ou possíveis alterações no certame. Após a conclusão de que o edital é transparente, o mesmo é divulgado para o maior número de empresas possível. Na segunda fase, o foco é o processo de licitação, principalmente os preços, as quantidades e a qualidade dos produtos e/ou serviços adquiridos. Na terceira fase são feitos o acompanhamento da entrega dos produtos ou serviços e a verificação se ela está em conformidade com a licitação. Também são avaliados o controle de estoque e o consumo efetivo.

Além dos voluntários, o grupo possui ainda uma equipe multiprofissional que faz análise técnica dos editais e contratos públicos, composta por dois advogados, dois engenheiros, um administrador e um contador, além de estagiários nessas áreas. Os voluntários se reúnem uma vez por semana para discutir a avaliar as análises feitas pela equipe técnica e, a partir daí, traçar o plano de ação em caso de vestígio de ilegalidade. Toda e qualquer informação levantada pelo OSM ou por denúncias da comunidade é analisada pelo Comitê Gestor da entidade antes de qualquer procedimento. Essas reuniões garantem a segurança e confiabilidade na tomada de decisão e na divulgação dos resultados.

“Nós sempre buscamos resolver a questão alertando o gestor público da ilegalidade ou do erro técnico encontrado. Consideramos que tivemos êxito quando evitamos que o dinheiro público seja gasto indevidamente ou quando garantimos a devolução de dinheiro gasto indevidamente. Nossa causa não precisa de herói e, por isso, não buscamos a imprensa para fazer denúncias. Só recorremos a ela e ao Ministério Público quando o gestor, seja na Prefeitura, na Câmara ou na Universidade, não se sensibiliza para os indícios e as provas que mostramos”, explica a presidente do Observatório.

Ações – Em 2014, as ações do Observatório Social de Maringá resultaram numa economia de R$ 8.641.043,98 aos cofres das Prefeituras de Maringá e Sarandi, Câmara Municipal e Universidade Estadual de Maringá. São recursos de devoluções de compras indevidas e de gastos poupados após o apontamento de irregularidades feito pela entidade.

Falta de clareza do edital, preço estimado acima do valor de mercado, limitação na concorrência e ausência de preço unitário nos produtos foram as principais causas de ações do OSM no ano passado. Uma das iniciativas foi a comprovação junto à Prefeitura de Maringá de fragilidades em edital no valor de R$ 2,2 milhões para a contratação de serviços administrativos e no embasamento legal de laudos e pareceres técnicos de segurança do trabalho. O edital foi cancelado.

O Observatório também conseguiu o ressarcimento de R$ 31.835 ao erário, após comprovar o superfaturamento na compra e instalação de postes de energia, adquiridos pela administração municipal por R$ 5.993,10 a unidade, quando o valor de mercado era de R$ 1.570,00. Outra ação foi a descoberta de um projeto de oficina de música que custava R$ 11 mil ao mês, mas não tinha um único aluno matriculado. O projeto foi suspenso.

Educação Fiscal – Além da fiscalização, o Observatório Social de Maringá também possui projetos de educação fiscal. “O sucesso e o amadurecimento do trabalho de controle social só foram possíveis a partir de várias ações de conscientização da população sobre a importância da cidadania e da fiscalização dos gastos públicos que fizemos na cidade de Maringá”, explica a diretora de Educação Fiscal da entidade, Rosa Fátima dos Santos.

O trabalho é feito por meio de atividades lúdicas, como peças teatrais, shows, palestras e concursos de redação e de monografia. “Os temas com os quais a gente trabalha são muito áridos, nem sempre as pessoas querem ouvir. Então, a gente leva para um outro contexto. Quando falamos de impostos e gestão pública de recursos numa peça, por exemplo, isto atrai e desperta a atenção das pessoas”, justifica Rosa Fátima.

As ações de educação fiscal do OSM não se restringem a Maringá e região. Em oito anos, a iniciativa chegou a cerca de 600 mil pessoas em 250 municípios do Paraná e até em outros estados, como Minas Gerais, São Paulo e Santa Catarina.

Parcerias – Para manter toda estrutura técnica de análise de editais e contratos e os projetos de educação fiscal, o Observatório Social de Maringá conta com a ajuda de vários parceiros. Um deles é a Receita Federal, que doa a cada três anos produtos apreendidos no Paraná para que a entidade realize bazares e arrecade recursos para a manutenção dos trabalhos. “Já foram realizados três bazares até agora. Em cada um deles, conseguimos cerca de R$ 300 mil”, relata a presidente do OSM. Existem ainda empresas mantenedoras que fazem doações mensais de recursos e suprimentos. 

Innovare – Criado em 2004, o Prêmio Innovare é considerado a mais importante premiação da Justiça brasileira. Em doze anos, foram cerca de 5 mil práticas inscritas e mais de 150 delas foram premiadas. A realização é do Instituto Innovare, da Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), com o apoio do Grupo Globo.

Waleiska Fernandes
Agência CNJ de Notícias