O Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) realizou, de 21 de agosto do ano passado até a última sexta-feira (22/1) 1.923 audiências de custódia, que consistem na apresentação, ao juiz, de toda pessoa presa em flagrante ou por mandado judicial em até 24 horas. Do total de audiências, 43,4% resultaram em autorizações para os acusados responderem a processos criminais em liberdade. Para a juíza Marlúcia de Araújo Bezerra, titular da Vara Única Privativa de Custódia de Fortaleza, muitas prisões desnecessárias foram evitadas nesse período, como a de pessoas acusadas de crimes cujas penas, em caso de condenação, não preveem o cumprimento em regime fechado de reclusão.
“O que a gente verifica mesmo é que as audiências de custódia aliviaram a situação de pessoas que respondiam por um crime que, no final, nem sequer as condenaria a uma pena restritiva de direito (prestação de serviços comunitários, por exemplo), como o furto, o porte de arma, o estelionato, receptação, uso de documento falso, crime de resistência com desacato, apropriação indébita, ou seja, muitos desses casos. E aí é concedida a liberdade provisória”, afirmou a magistrada.
Ela ressaltou que as pessoas em liberdade provisória, na maioria dos casos, são obrigadas a cumprir medidas cautelares, como o uso de tornozeleiras eletrônicas e a proibição de se ausentarem da comarca sem autorização. Sobre as pessoas mantidas presas após as audiências de custódia, a magistrada definiu essa situação como resultado da análise do juiz sobre possíveis riscos que elas podem representar para a sociedade.
“Geralmente, na análise do auto e das próprias condições do autuado, o juiz leva em consideração o fato, por exemplo, se o autuado é reincidente, se ele foi autuado por crime de maior gravidade ou praticado com violência, se descumpriu medidas cautelares anteriores, se tem mandado de prisão em aberto, se responde a outras ações penais, se tem endereço certo, além de outros fatores importantes”, disse Marlúcia de Araújo Bezerra.
Em cinco meses de adesão às audiências de custódia, o TJCE já passa por processo de adaptação para melhorar o atendimento e diminuir gastos. A vara única, situada no Fórum Clóvis Beviláqua, será transferida para um prédio anexo à Delegacia de Capturas da Polícia Civil do Ceará. O imóvel foi doado pelo governo do estado e a mudança vai trazer economia para os cofres públicos, pois não será mais necessário o traslado dos presos até o fórum. “Nós vamos resolver um dos maiores entraves que é, exatamente, a logística de transporte e escolta dos presos”, comemorou a juíza.
Avanços – As Audiências de Custódia começaram a ser realizadas em Fortaleza no dia 21 de agosto do ano passado, data em que o Tribunal de Justiça do Ceará aderiu à política difundida pelo CNJ, com o apoio do governo estadual, da Defensoria Pública, do Ministério Público e da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do Ceará (OAB-CE). Naquela ocasião, o ministro Ricardo Lewandowski, presidente do CNJ, participou da primeira audiência de custódia no estado. O projeto, que foi lançado no país em fevereiro de 2015, por meio de experiência piloto no município de São Paulo, hoje é executado em todas as capitais brasileiras e começa a avançar para cidades do interior.
Para a juíza Marlúcia Bezerra, os avanços trazidos por essa política pública incluem o reforço da prevenção, da apuração e do combate à tortura e outras formas de maus-tratos contra os presos, além da redução do número de detentos em delegacias. Segundo a magistrada, a superlotação das delegacias era um problema que, além de onerar os cofres públicos, obrigava os agentes de polícia a interromperem investigações criminais para atuarem como carcereiros.
“A gente observa que a audiência de custódia tem provocado uma redução significativa do número de presos em delegacias, evitando rebeliões, fugas e outros problemas. Havia um comprometimento muito grande (das investigações), e a gente tem notado que os próprios delegados de polícia têm elogiado esses resultados, porque tem diminuído as rebeliões e tem sido reduzido o número de presos nessas delegacias”, afirmou a titular da Vara Única Privativa de Custódia de Fortaleza, unidade em que quatro juízes são encarregados da condução das audiências de custódia.
Confirmação – As impressões da magistrada sobre os ganhos trazidos pelas audiências de custódia confirmam as estimativas feitas pelo ministro Ricardo Lewandowski a respeito da redução da população carcerária e dos gastos públicos. Esse assunto, abordado pelo presidente do CNJ em todas as capitais do país, durante a implantação do projeto, voltará a ser discutido no 2º Fórum Nacional de Alternativas Penais (Fonape), nos dias 24 a 27 de fevereiro, na sede do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA), em Salvador. O tema do evento será: “Audiência de Custódia e a Desconstrução da Cultura do Encarceramento em Massa”.
O fórum é organizado pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), do CNJ, e tem como público alvo juízes, servidores do Judiciário, integrantes dos Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMFs) dos tribunais, membros do Ministério Público, advogados, representantes da Defensoria Pública e gestores da Administração Penitenciária.
O evento vai discutir e propor políticas para o aprimoramento da atuação dos magistrados nas audiências de custódia. Ele contará com as presenças do ministro Ricardo Lewandowski; do comissário James Cavallaro, vice-presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), além de renomados juristas e conceituados estudiosos da questão penal-penitenciária.
Jorge Vasconcellos
Agência CNJ de Notícias