Após dez anos de promulgação da Lei Maria da Penha, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) prepara-se para fazer um balanço dos seus efeitos na sociedade, em decorrência da atuação do Judiciário. “Levantaremos os dados pertinentes e avaliaremos a evolução dos trabalhos, desde então, para subsidiar a possível alteração da Resolução CNJ n. 128/2011, sobretudo depois da inserção do feminicídio como qualificadora do homicídio no Código Penal”, detalhou a conselheira do CNJ Daldice Maria Santana de Almeida. A primeira reunião do grupo de trabalho, criado pela Portaria n. 54, de 2016, do CNJ, está prevista para o dia 1º de junho.
O grupo de trabalho desenvolverá estudos com o objetivo de alterar a Resolução CNJ n. 128/2011, que trata da criação de Coordenadorias Estaduais das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar no âmbito dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal. “Iremos nos organizar para avaliar como está sendo feito o trabalho nas coordenadorias, para depois propormos melhorias, caso necessário”, detalhou a conselheira.
Estarão presentes na reunião quatro conselheiros do CNJ; representantes dos Tribunais de Justiça dos estados de Rondônia, Rio de Janeiro, Distrito Federal e Minas Gerais; do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS); além da diretoria executiva do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ. “Avaliaremos a política do Poder Judiciário de proteção à mulher, sob o ponto de vista quantitativo e qualitativo”, completou a conselheira.
“Tivemos uma evolução legislativa significativa referente ao papel da mulher na sociedade. Com isso, o contexto jurídico avançou ao longo dos anos. Precisamos, agora, fortalecer a mudança cultural, a qual sempre ocorre de forma mais lenta”, contextualizou a conselheira Daldice, que preside o grupo de trabalho.
Busca pelo Judiciário – Dados mostram que, ao longo dos dez anos da Lei Maria da Penha, as mulheres têm buscado cada vez mais o Judiciário para solucionar conflitos relacionados à violência doméstica. Não porque a violência doméstica tenha aumentado, mas pelas campanhas regionais de conscientização das leis de proteção e pela maior credibilidade dada à sua eficácia. “Não dizemos que cresceu o número de processos relacionados à violência contra a mulher. Dizemos que ele ‘apareceu’”, enfatizou a juíza Rita de Cássia Andrade, titular do Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de João Pessoa/PB.
Dados da capital paraibana mostram o resultado do trabalho de conscientização da população local. Em outubro de 2012, havia 2.350 processos abrangendo a violência contra a mulher em tramitação da comarca, valor que se manteve estável em 2013. Esse número subiu para 6.443 em maio de 2014. Em outubro de 2015, o volume chegou a 9.091, atingindo o pico de 10.054 processos em tramitação em fevereiro de 2016.
“Estamos fazendo um forte trabalho para despertar as pessoas. Campanhas na televisão, programas de rádio, visitando os bairros, já fizemos até palestras dentro do quartel do Exército e de reuniões de maçonaria”, contou a juíza Rita de Cássia. “Nosso novo foco agora é conversar com os agressores em busca de uma mudança de consciência. Não queremos que a agressão se reproduza em outras situações, ou até na formação de uma nova família”, completou a magistrada.
Inovação – A preocupação com a reprodução do comportamento agressivo também é o novo foco do trabalho da juíza capixaba Maria Hermínia Azoury, que lidera a Coordenadoria de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça do Espírito Santo. “Estamos fechando parceria com a Controladoria Geral da União (CGU) para criar programas para as crianças nas escolas. Nos preocupamos com a reprodução de comportamentos vivenciados na família. As crianças são as maiores vítimas”, destacou a juíza Maria Hermínia.
Azoury é responsável pela implantação do “Ônibus rosa”, um juizado itinerante da Lei Maria da Penha que faz sucesso entre os municípios do estado por ter uma equipe multidisciplinar que agiliza a abertura dos processos judiciais contra os agressores. Em apenas um dia em Guarapari, interior do Espírito Santo, foram expedidos 36 boletins de ocorrência (BO), 30 medidas protetivas, além da decretação de duas prisões.
Em Rondônia existe o projeto “Abraço”, uma experiência que começou em 2009 com o objetivo de apostar no atendimento terapêutico para mudar a cultura familiar de violência. Por meio do projeto, muitas penas de reclusão foram e são substituídas pela obrigatoriedade de frequentar sessões de terapia em grupo. Ao todo são 10 encontros que podem transformar a trajetória das relações familiares baseada no ciclo da violência. Em 2010, 70 homens e 51 mulheres passaram pelo projeto no estado. Em 2015 esse número chegou a 292 homens e 144 mulheres atendidas pelo “Abraço”. “Quando fiquei sabendo que teria de frequentar as reuniões me aborreci, mas depois de sete encontros vejo o quanto é importante conversar sobre esses assuntos”, disse um dos frequentadores do projeto Abraço. Ele conta que mesmo separado, quer melhorar o relacionamento com a ex-companheira por conta do filho de cinco anos, cuja a guarda divide com ela. “Eu fico quinze dias e ela quinze”.
Resultado positivo – No ano passado, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou um estudo que mostra que a Lei Maria da Penha fez diminuir em cerca de 10% a taxa de homicídio contra as mulheres dentro das residências, o que “implica dizer que a Lei Maria da Penha foi responsável por evitar milhares de casos de violência doméstica no país”, descreve o texto. Os dados utilizados para a análise dizem respeito às agressões letais no Brasil e foram obtidos por meio do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde.
“Apesar de a Lei não ter como foco o homicídio de mulheres, a pesquisa partiu do pressuposto de que a violência doméstica ocorre em ciclos, onde muitas vezes há um acirramento no grau de agressividade envolvida, que, eventualmente, redunda na morte do cônjuge. Por isso seria razoável imaginar que a lei, ao fazer cessar ciclos de agressões intrafamiliares, gere também um efeito de segunda ordem para fazer diminuir os homicídios ocasionados por questões domésticas e de gênero”, defendem os autores.
Paula Andrade
Agência CNJ de Notícias