Os números não revelam tudo. A análise é do especialista britânico em administração judiciária, John Stacey, e se refere ao atual sistema de estatísticas do Poder Judiciário brasileiro. Stacey faz parte de um grupo de consultores ingleses e brasileiros que visitou cerca de 20 varas de tribunais em várias regiões do Brasil para identificar gargalos e boas práticas de gestão de processos no Brasil.
A observação sobre o monitoramento estatístico do funcionamento dos tribunais fará parte do relatório final do projeto “Melhoria da eficiência e do desempenho do Judiciário Brasileiro”, concebido pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e selecionado em concurso internacional pelo governo britânico, que financia a iniciativa.
Em apresentação do projeto feita na última quarta-feira (22/3) a um grupo de conselheiros do CNJ, o especialista britânico revelou que, durante uma das visitas a um tribunal de São Paulo que preferiu não identificar, a equipe de consultores ouviu relatos de como magistrados e servidores de determinada unidade judiciária se sacrificam para manter as estatísticas de produtividade da vara. Os bons indicadores, no entanto, escondiam uma equipe sobrecarregada de trabalho, de acordo com Stacey. A avaliação da eficiência do serviço prestado pelo Judiciário tem de ser, portanto, mais precisa e abrangente, segundo o especialista em administração judiciária.
“A vara que visitamos lidava de fato com muitas ações por semana, mas seus servidores e magistrados trabalhavam nos fins de semana, além do expediente, levavam processos para casa. Na verdade, um olhar mais profundo nas estatísticas da vara revelaria uma deficiência do funcionamento da vara, não uma virtude. Na Inglaterra, o indicador que usamos mensura o número de processos movimentados por hora de trabalho”, afirmou John Stacey. O relatório final com essa e outras impressões sobre o desempenho do Poder Judiciário está sendo concluído para ser entregue, como colaboração, às autoridades da Justiça brasileira.
Reforma – Outro integrante da equipe, o juiz Michael Hopmeier, listou algumas das providências tomadas em 2015 pelo sistema de Justiça britânico durante reforma que modificou o andamento de processos na Justiça Criminal do país. Para não permitir que julgamentos atrasem excessivamente, por exemplo, foi fixado um prazo para que o Ministério Público ofereça denúncia e o processo seja levado ao tribunal. Na reforma de 2015 também se ordenou que magistrados coloquem em liberdade acusados que estejam presos sem julgamento há mais de um determinado número de dias.
“São muitas regras que valem para todas as varas criminais da Inglaterra. Viemos aqui discutir soluções e vocês (conselheiros e equipe técnica do CNJ) é que vão nos dizer se as medidas têm viabilidade de aplicação no Brasil e se o CNJ teria autoridade para encaminhar essas mudanças no Judiciário brasileiro. Alguém, no entanto, tem de fazer regras que serão seguidas por todos os tribunais. Não podemos ter tribunais fazendo suas próprias regras”, afirmou Hopmeier, juiz da Corte da Coroa de Kingston-upon-Thames, condado na região de Londres.
Segundo o integrante brasileiro da consultoria, professor André Pagani de Souza, o trabalho realizado até o momento revela que o Poder Judiciário no Brasil tem desafios comuns à Justiça de outros países. “O desafio de buscar mais eficiência no serviço prestado pela Justiça é comum ao sistema de Justiça do Brasil, da Inglaterra e de outros países da Europa. Todos depararam com a necessidade de se fazer mais com menos. O problema a ser resolvido era obter mais resultados com menos recursos financeiros sem se abrir mão de fazer justiça”, afirmou.
Especialização – Os consultores ingleses acompanham há décadas as áreas da administração judiciária e da tramitação de processos. Servidor aposentado do Ministério da Justiça britânico, Stacey integrou a Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça (CEPEJ) entre 2002 e 2014, tendo sido eleito presidente em 2010, enquanto Hopmeier é coordenador regional da Rede Européia de Formação Judiciária (EJTN). Sua atuação enquanto magistrado se concentra na área de combate a crimes econômicos e lavagem de dinheiro. Além dos especialistas ingleses, dois acadêmicos brasileiros compõem a equipe de consultores, os professores André Pagani de Souza e André Ramos Tavares. Pagani de Souza acumula anos de experiência como professor de Direito Processual Civil e de Prática Jurídica e Ramos Tavares é referência na área de Direito Constitucional.
Economia – O governo britânico financia o projeto “Melhoria da eficiência e do desempenho do Judiciário Brasileiro” pelo Prosperity Fund (Fundo da Prosperidade), com o objetivo de fortalecer parcerias com determinados países, entre eles o Brasil. Segundo o diretor da GovRisk, consultoria contratada para executar o projeto, Dominic Le Moignan, a expectativa é poder fomentar com o projeto “relações comerciais de longo prazo” entre Inglaterra e Brasil. O conselheiro do CNJ que coordenou o encontro com a equipe do projeto, Norberto Campelo, também destacou a importância do aperfeiçoamento do sistema de Justiça para a economia do país.
“O trabalho da consultoria tem sido muito útil e vai ao encontro ao que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) faz. Uma Justiça eficiente e confiável é fundamental para atrair investimentos de outros países”, afirmou o conselheiro. Participaram também da reunião os conselheiros Carlos Levenhagen, Rogério Nascimento, Daldice Santana, Bruno Ronchetti e Arnaldo Hossepian. Os conselheiros elencaram políticas nacionais do CNJ para aprimoramento do serviço prestado pelo Poder Judiciário, como o Processo Judicial Eletrônico, a mediação e conciliação, a priorização do primeiro grau, as audiências de custódia e a desjudicialização das demandas relacionadas ao direito à Saúde.
Congestionamento – O produto final da consultoria, em fase final de elaboração, será uma série de recomendações para o Poder Judiciário melhorar o andamento dos processos no país, nas áreas cível e criminal. Tramitam nos tribunais do país cerca de 102 milhões de processos, de acordo com as estatísticas mais recentes. Ao longo do ano, a Justiça consegue resolver apenas três em cada dez processos que tramitam nos tribunais de todo o país. Nos últimos seis anos, houve aumento de 21,7% no número de ações sem solução.
Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias