Artigo: Um conselho que deu certo

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Douglas Alencar Rodrigues*

Nos últimos dois anos, a sociedade brasileira pôde conhecer melhor o seu Judiciário, participar dos debates sobre a Justiça no país, sugerir, criticar, denunciar. Encontrou uma porta aberta para a transparência e para a modernização desse Poder a partir da instalação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), no dia 14/6 de 2005.

Enfrentamos problemas tão sérios quanto antigos, como o nepotismo e a falta de transparência nas decisões administrativas. Encaramos de frente e abertamente a questão do teto remuneratório do Poder Judiciário. Disciplinamos questões delicadas, como promoções e realização de concursos para juízes, servidores e titulares de cartórios extrajudiciais.

Alguns equívocos também foram cometidos, embora reparados, como no caso em que o CNJ pretendeu resolver as dificuldades administrativas de alguns tribunais com a resolução das férias coletivas.

A constatação inicial de que o CNJ vinha atuando de forma independente, rápida e efetiva, corrigindo distorções de todos os matizes e rompendo com o mau corporativismo, presente em todas as organizações coletivas, acabou fazendo com que a sociedade, creditando confiança nesse novo órgão, apresentasse grande volume de representações, muitas delas envolvendo questões sem maior relevância ou interesse institucional.

Nesses dois anos aportaram no CNJ mais de 4.000 representações das mais diversas naturezas e origens, envolvendo praticamente todos os tribunais do país.

Essa situação não impediu, porém, que o conselho conseguisse levar adiante iniciativas da maior importância para a modernização e para a agilização do Judiciário -aliás, impensáveis antes de sua criação.

Dois exemplos mostram isso claramente: o projeto de informatização da Justiça, com o desenvolvimento de um sistema de processo virtual em software livre, o Projudi, que diminui despesas e torna o Judiciário independente tecnologicamente; e o Movimento pela Conciliação, que realizou, num único dia, em 8/12 passado, 84 mil audiências em todo o país, obtendo cerca de 47 mil acordos.

Mesmo sem desconsiderar as estratégias clássicas de combate à lentidão e à falta de efetividade na atuação do Judiciário, é preciso criatividade e ousadia no combate à crise de funcionalidade que assalta a Justiça brasileira e que acaba por colocar em xeque a sua própria legitimidade.

Como órgão central de articulação estratégica, o CNJ deve buscar permanente parceria com tribunais e outras entidades da sociedade civil, enriquecendo as discussões e compartilhando responsabilidades. O amplo acervo de dados e informações reunido ao longo desses dois anos deve fomentar estudos e pesquisas para viabilizar a definição de novas medidas de gestão administrativa.

No campo do controle disciplinar, apesar da melhoria verificada com o estímulo à atuação das corregedorias e com a edição de resolução padronizando regras relativas a procedimentos disciplinares contra magistrados, é perceptível, em muitos tribunais, a dificuldade em punir aqueles que se desviam no exercício da jurisdição.

É também urgente a necessidade de definição das regras de estruturação e funcionamento da Ouvidoria Nacional de Justiça, que deverá atuar em conjunto com as ouvidorias já instaladas em diversos tribunais do país, formando uma ampla rede de acompanhamento da atuação judicial.

Ao final deste primeiro mandato, depois de dois anos de funcionamento do CNJ, vemos que ainda há muito a ser realizado. Mas é inegável que há conquistas importantes que ainda hoje seriam simples “sonhos de verão”, não fosse a criação do CNJ.

Esse órgão, composto por representantes dos diversos segmentos ligados à Justiça -inclusive cidadãos, usuários do sistema-, acabou forjando um importante sincretismo institucional, que tem possibilitado a edição de decisões que estão transformando a realidade da nossa Justiça.

Embora longo o caminho para um Judiciário mais próximo do ideal, é preciso reconhecer, enfim: CNJ, um conselho que deu certo.


(*) Juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça

Artigo publicado em 11 de junho de 2007