Artigo: Um passageiro a mais

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Joaquim Falcão*

Na lista das vítimas a bordo do vôo 3054 consta o nome de um funcionário da TAM de Porto Alegre, Marcos Stepanski. Houve dificuldades para incluir este nome na lista oficial das vítimas do acidente, pois Marcos teria embarcado sem ter feito o devido check-in. Como funcionário d 497 a TAM teria um “passe livre”. Algumas questões se colocam sobre o caso: qual a natureza deste “passe livre”? O que ele significa? Entra e sai quando quiser? Quais os limites? Como fica a segurança dos demais passageiros e da própria aeronave? Qual o controle público do passe livre?

Até que se esclareça melhor, a legislação não prevê “funcionário-passe-livre” a bordo de avião. O Código Brasileiro de Aeronáutica define que “tripulantes” são as pessoas que exercem função a bordo de aeronaves. Stepanski não era registrado como tripulante, nem exercia função a bordo. Era apenas funcionário da empresa. Não era, pois, legalmente, um tripulante.

Por sua vez, a Instrução de Aviação Civil n. 107-1002 determina que todos os passageiros são obrigados a se identificar no momento do embarque – prática que se convencionou chamar de “check-in” -, o que Marcos não fez. Se não era tripulante nem passageiro, como poderia estar na aeronave?

Acresça-se, ainda, outra dúvida. O vôo estava lotado. Passageiros foram recusados. Nestes casos, a companhia, em geral, prefere dar lugar a passageiros, e não a seus funcionários. A não ser que o funcionário tenha viajado na cabine d f8 o piloto, onde passageiro não vai, mas, de quando em vez, funcionários não em serviço a bordo, vão. Com a autorização do comandante.

Como Marcos Villaça, Silvio Meira e Sérgio Guerra, também viajo de avião toda semana. Ou quase toda. Mas, provavelmente, ao contrário deles, sou um passageiro incômodo. Chego cedo, sento-me na frente e fico a tudo atento. Não foram uma nem duas vezes, mas várias, em que, percebendo a presença de pessoas sem uniforme na cabine, além dos pilotos, questionei o comandante.

Houve vez que eram os filhos de um piloto em férias, e o avião estava cheio. Houve vez, muitas vezes, que eram funcionários da companhia. Houve vez que o comandante reconheceu a presença indevida e retirou os indevidos. Houve vez que o comandante disse autoritariamente: “Quem manda aqui sou eu e vai assim mesmo!”. Houve vez que o vôo parava e ficávamos a discutir a legislação específica, que todos os aviões são obrigados a ter a bordo – em geral, está num classificador de capa preta que fica em cima do banquinho dos comissários logo na porta de entrada.

A questão que se coloca neste caso do Stepanski é qual o limite da autoridade do comandante e da companhia. É óbvio que o comandante é a maior autoridade legal a bordo. Pode até prender passageiros que tenham cometido alguma infração ou crime. É óbvio, também, que a companhia é a proprietária da aeronave. Mas, mais óbvio ainda, é o fato de que ambos têm que respeitar as normas e, sobretudo, usarem de bom senso em favor da segurança dos passageiros. Por motivo simples. A autoridade concedida por lei ao comandante e à companhia é dada em nome da segurança dos passageiros, e não por mérito deles mesmos. São delegados de 5a8 nossa segurança. Nada mais. Não podem privilegiar os interesses de redução de custos da companhia ou os critérios pessoais do piloto. Trata-se de autoridade e propriedade com limites de interesse público.

A presença do funcionário que não é tripulante nem fez check-in precisa ser esclarecida. Com certeza a Anac e a TAM o farão. A Anac para recuperar sua credibilidade, a TAM porque é de seu próprio interesse. Não é necessário que haja um vínculo causal entre a presença indevida do funcionário e o desastre para que a empresa seja responsabilizada, independentemente de outros fatores. Os passageiros têm direito à presunção de segurança e de obediência às normas, e isto basta. Em qualquer vôo, de qualquer companhia.


(*) Joaquim Falcão, advogado, é diretor da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas-RJ e membro do Conselho Nacional de Justiça

Artigo publicado em 3 de agosto de 2007