Artigo: O CNJ e a racionalização judicial

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Ives Gandra Martins Filho*

O Conselho Nacional de Justiça, resposta do constituinte derivado ao desejo popular de controle externo do Poder Judiciário após a inconclusa CPI do Judiciário, surgiu com dupla vertente finalística: a supervisão administrativa e financeira dos órgãos jurisdicionais e o controle disciplinar dos magistrados. Num primeiro momento, o foco tem sido colocado na purificação do Judiciário daqueles magistrados que não dignificam a toga, com afastamento de vários juízes da atividade judicante. No entanto, essa não é e nem deve ser a vertente principal de atuação do CNJ, dados a qualidade e o perfil ético da esmagadora maioria dos integrantes da Judicatura Nacional. Com efeito, o ideal de um Judiciário moderno e eficiente conta com o CNJ como órgão de planejamento estratégico de todo o sistema, em busca de uma Justiça que atenda a cinco requisitos básicos: efetiva (que componha os conflitos sociais); célere (já que justiça tardia é injustiça); segura (sem oscilações pendulares da jurisprudência); barata (que não pese muito no bolso nem das partes, nem do contribuinte); e acessível (que chegue a todos os recantos do país e a todas as camadas da sociedade).

Atingir esses objetivos não é tarefa nem simples, nem fácil e tem encontrado natural resistência numa cultura aferrada ao modelo vigente, marcado pela lentidão, complexidade, ineficiência e personalismo na gestão da coisa pública. Assim, não é de estranhar que medidas adotadas pelo CNJ, de combate ao nepotismo no Judiciário, de respeito ao teto remuneratório por parte dos juízes e, mais recentemente, de padronização da jornada de trabalho dos servidores, sofra críticas e ataques, inclusive sob o argumento de que o CNJ estaria querendo dar ao setor público o mesmo nível de eficiência da iniciativa privada! Tomo a crítica por elogio.

Ora, nesse contexto, a denominada “Meta 2” do CNJ constitui um marco para o mapeamento das deficiências estruturais do Judiciário brasileiro.

Nas diligentes inspeções feitas nos estados pelo ministro Gilson Dipp, como corregedor nacional de Justiça, verificouse que muito da demora no julgamento das ações deve-se à desorganização de Varas e Juizados, não obstante a boa vontade dos servidores na realização do trabalho.

Para essa espécie de causalidade, a parceria do CNJ com o Instituto Innovare se apresenta como terapia das mais eficazes, uma vez que o Prêmio Innovare, este ano em sua 6aedição, com mais de 800 práticas inscritas, detecta os melhores procedimentos para a prestação jurisdicional mais rápida e eficaz, ao passo que o CNJ aproveita as práticas premiadas e selecionadas, para reproduzi-las em todos os estados da federação.

No entanto, com o natural aumento da demanda judicial, pela ampliação do acesso ao Judiciário, as soluções gerenciais e de modernização tecnológica tendem a atingir os seus limites de elasticidade, além dos quais apenas a mudança de modelo de prestação jurisdicional pode dar à Justiça o dinamismo que os tempos modernos exigem.

Essa mudança, no Brasil, vem se fazendo graças aos mecanismos de valorização das decisões dos Tribunais Superiores, tais como a repercussão geral e a súmula vinculante para o STF, o sistema de recursos repetitivos para o STJ e o critério de transcendência para o TST, este último apenas pendente de regulamentação.

Tais mecanismos partem do pressuposto de que ao cidadão é garantido o duplo grau de jurisdição, enquanto que as Cortes Superiores têm como função precípua a de dar o conteúdo normativo da Constituição e das leis da República.

Na dinâmica gestão do ministro Gilmar Mendes como presidente do CNJ tem-se dado ênfase à racionalização judicial, com a instituição da Comissão de Eficiência Operacional e Gestão de Pessoas. A mais recente medida proposta por essa comissão foi, na esteira da concepção do presidente do Conselho, a de criar um sistema de gestão de precatórios conjugada com a agilização da execução fiscal, canalizando parte dos recursos para o pagamento de precatórios. Com essa e outras medidas, o CNJ estará contribuindo para a racionalização do sistema judicial, condição de sua eficácia na harmonização das relações sociais.


(*) Ives Gandra Martins Filho é ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Publicado no jornal O Globo em 15/10/2009