Justiça Restaurativa é defendida pela ativista Fania Davis

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Fania Davis encerra seminário com a importância da Justiça Restaurativa. Foto: Luiz Silveira/CNJ
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A advogada e ativista dos direitos civis nos EUA, Fania Davis, encerrou o seminário internacional “Judiciário, sistema penal e sistema socioeducativo: questões estruturais e mudanças necessárias”, organizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com reflexões sobre a ruptura do encarceramento em massa e a importância da Justiça Restaurativa neste processo, assim como interseções com justiça racial e juvenil. “Brasil e Estados Unidos têm experiências comuns de injustiça social, tanto no passado quanto no presente. Espero que nossas experiências com Justiça Restaurativa nos EUA ressoem em vocês”, afirmou. A mesa foi presidida pelo juiz auxiliar da Presidência do CNJ Carlos Gustavo Direito.

Por meio do programa Justiça Presente, o CNJ, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, tem como uma das frentes de ação a expansão de práticas restaurativas para 10 tribunais – Acre, Alagoas, Amapá, Ceará, Paraíba, Piauí, Roraima e Rondônia, assim como no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (Mato Grosso do Sul e São Paulo). A ação foi iniciada em janeiro deste ano por meio de parceria com o Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo (CDHEP).

Segundo Davis, situações como a ascensão do colonialismo, o genocídio, o roubo de terras e a escravização vem reforçando danos a corpos, espíritos, famílias e comunidades. “Línguas indígenas nem têm uma palavra para ‘prisão’. A realização de Justiça, mais do uma oportunidade de punir, é uma oportunidade para aprender, crescer, enfatizar valores sociais positivos e laços. E pode ser uma oportunidade para identificar e melhorar condições sociais problemáticas que levam aos danos entre pessoas.”

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Explicando as origens históricas do encarceramento em massa, Davis sublinhou que nos Estados Unidos ele é usado para subjugar pessoas negras. “Porque estivemos em negação sobre essa biografia coletiva de genocídio e escravidão, porque nunca a reconhecemos totalmente e não tomamos ação para reparar estes danos colossais de origem, continuamos o revivendo”, afirmou. Ela lembrou que os EUA, por exemplo, possuem 25% de toda a população carcerária do mundo, além de um número desproporcional de pessoas negras privadas de liberdade: 60%, enquanto representam 20% da população do país.

A ativista ainda apresentou dados sobre raça, punição e educação. De acordo com ela, o aprisionamento por um ano tira dois da expectativa de vida da pessoa e reduz a renda anual em até 40%. Mais de seis milhões de pessoas que estão ou estiveram privadas de liberdade não podem votar e são discriminadas em questões de emprego, moradia, educação e benefícios públicos. Crianças negras têm seis vezes mais chances de ter pai ou mãe presos do que crianças brancas – elas também têm mais chances de passar por depressão, ansiedade e outras doenças crônicas quando virarem adultas. “Nossas crianças se veem presas a uma dinâmica transgeracional de resultados negativos em saúde, economia e educação.”

Rompendo ciclos

Segundo Fania Davis, esforços recentes de ativistas pelo abolicionismo carcerário resultaram no fechamento de cadeias e no cancelamento da construção de novas, levando a taxa de prisão a diminuir nos últimos 20 anos nos EUA – pesquisas mostram, inclusive, que 71% dos norte-americanos acreditam que o encarceramento é contraprodutivo para a segurança pública. Preocupa a pesquisadora, no entanto, o uso de técnicas típicas de unidades prisionais em escolas, com suspensões e expulsões por motivos banais. “Ser suspenso uma vez no nono ano pode triplicar a chance de ser preso quando adulto, além de dobrar as chances de abandonar o ensino médio. 75% das pessoas privadas de liberdade abandonaram o ensino médio.”

De acordo com Fania, manter uma criança na escola é o fator de proteção mais forte contra o encarceramento juvenil, que é o principal indicador de encarceramento de adultos. Apresentando casos práticos, argumentou que casos de violência e bullying diminuíram em escolas que usam programas de Justiça Restaurativa. E os jovens que passam por eles não ingressam do sistema de Justiça. “Unidades de encarceramento juvenil estão fechando e, nos últimos 20 anos, a taxa diminuiu em quase 50%.”

Ao defender um movimento de Justiça Restaurativa mais diverso, clamou para que profissionais de todo o globo analisem os modos como o racismo sistemático é perpetuado. “Hoje, a história nos chama para curar o mal que satura nossa existência. Por causa das vastas injustiças do mundo de hoje, a história depende de nós como guerreiros. Não apenas para curar, mas batalhar. Pessoas machucadas machucam pessoas. Pessoas curadas curam pessoas. Nós curamos e somos guerreiros. Justiça Presente!”, finalizou. No período da tarde, Fania participou, também no CNJ de uma roda de conversa com pessoas negras sobre aprisionamento no Brasil e nos EUA.

Encerramento

O Coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), Luís Geraldo Lanfredi, encerrou o seminário frisando que o objetivo do encontro foi falar sobre justiça social, paz e um mundo melhor. “Estamos lidando com destinos de vidas humanas esquecidas. Talvez o planeta nunca tenha experimentado como hoje presenciamos a questão de milhares de vidas serem desperdiçadas, e seremos cobrados por isso pelas futuras gerações”, afirmou. “É preciso ter coragem e vontade de mudar, a partir da resistência e entendendo o momento histórico que estamos vivendo”.

De acordo com Lanfredi, a complexidade do problema não pode ser abordada por respostas simplistas que não mudam a realidade. “A realidade dos EUA nos convida à reflexão sobre nosso país. Ainda que diferentes, somos países colonizados, de tradição escravagista, em que a punição é usada como forma de controle social e não com outro sentido. Creio que todos sairemos um pouco mais fortalecidos desta experiência, mas também com um vazio grande. Vazio em não de aceitar o que aí está, como estímulo à reflexão sobre quais caminhos devemos seguir”, completou o juiz auxiliar da Presidência do CNJ.

Iuri Tôrres
Agência CNJ de Notícias

2ª Conferência do Seminário Internacional Judiciário, sistema penal e sistema socioeducativo