Acusada de transportar munição aguardará julgamento longe da prisão

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A primeira ré a participar de uma audiência de custódia na Justiça Federal tem 18 anos e foi presa na quinta-feira (29/10) no Posto de Fiscalização da Polícia Rodoviária Federal (PRF) na BR-277, no trecho entre Foz do Iguaçu e Casacavel, no oeste paranaense. Ao abordar o ônibus onde a jovem estava viajando, os policiais desconfiaram de seu comportamento inquieto, revistaram-na e a prenderam por carregar dois pacotes de munição junto ao corpo. Ouvida pelo juiz federal Sérgio Ruivo, da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Foz do Iguaçu, J. O. C. recebeu o direito de aguardar o julgamento em liberdade provisória.

Inauguradas nesta sexta-feira (30/10) na Justiça Federal, as audiências de custódia são um projeto do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que estabelece para o Poder Judiciário uma nova forma de lidar com as prisões em flagrante. Todo preso tem de ser apresentado em até 24 horas da sua prisão a um magistrado, que analisa se a prisão foi legal, se houve tortura ou maus-tratos na detenção e se é necessário mantê-lo preso em unidade prisional. No caso de Foz do Iguaçu, o juiz federal Sérgio Ruivo considerou que a ré deverá aguardar o julgamento pelo crime do qual foi acusada em liberdade por se tratar de ré sem antecedentes criminais e por não representar “praticamente nenhuma periculosidade à sociedade”, afirmou.

Na sua decisão, o juiz determinou, ainda, que J. O. C. teria de pagar cinco salários mínimos e comprovar que morava em residência fixa para ser solta. Pelo projeto, o juiz pode definir que as pessoas detidas continuem presas ou lhes conceder o direito de esperar pelo julgamento em liberdade, de acordo com as circunstâncias em que a prisão ocorreu e as manifestações do Ministério Público e da defesa da pessoa acusada. No caso de a pessoa ter a liberdade concedida, os magistrados podem ainda decidir que os presos cumpram medida cautelar, como usar tornozeleira eletrônica até serem julgados.

O perfil da jovem presa é bastante comum, segundo o juiz que analisou sua prisão. Conhecidas como “mulas”, jovens pobres, sem emprego e sem perspectivas de ascensão social são cooptados por organizações criminosas em troca de dinheiro. J. O. C. afirmou que foi convencida a levar projéteis de armas calibre nove milímetros e de fuzis ao Rio de Janeiro por R$ 1 mil. Em depoimento ao magistrado, disse estar desempregada, mas já trabalhou em um lava-jato com salário de R$ 650 mensais.

“A figura da ´mula´ é muito comum, infelizmente. As organizações criminosas ou mesmo os interessados em adquirir produtos que não podem ser adquiridos se valem de pessoas contratadas com essa finalidade para transportar bens ilícitos, como foi o caso dessa pessoa que entrevistamos na audiência de custódia. J. é uma pessoa vulnerável, de 18 anos, desempregada, recentemente casada, que vive em situação de penúria, se convenceu a levar essas munições por mil reais, como consta do auto de prisão em flagrante”, afirmou o juiz federal Sérgio Ruivo.

Segundo o magistrado, enquanto não se encontram facilmente os responsáveis pelo transporte ilícito, os donos da mercadoria, não se deve colocar toda responsabilidade nas mulas, pois as penas que eventualmente são aplicadas a elas não são prisão em regime fechado, mas sim com penas restritivas de direitos. “Não podemos deixar que essa pessoa, nessa tenra idade, entre no sistema prisional e se contamine com aquele ambiente. Com as audiências de custódia podemos nos antecipar ao que aconteceria no final do processo, considerando-se que, no final, a pessoa não terá de ser presa. Por que não agora, se não verificarmos indícios de periculosidade, autorizamos a pessoa a aguardar julgamento em liberdade?”, disse.

Em entrevista coletiva à imprensa após a audiência de custódia, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, ministro Ricardo Lewandowski, comentou o contexto da Justiça criminal na região da Tríplice Fronteira, lembrando que casos de crimes graves cometidos por autores reincidentes, que representam ameaça à sociedade, não resultarão em liberdade condicional, mas em prisão preventiva. “Há contrabando, que é um crime mais sério, há o descaminho, que muitas vezes é representado por sacoleiros que normalmente trazem pequenas mercadorias. Claro que isso é um crime, mas nem sempre esse criminoso precisa ser preso porque não apresenta perigo à sociedade. Ele pode perfeitamente responder processo criminal em liberdade, sujeito a outras condições, como tornozeleira eletrônica, comparecimento periódico a um juiz e proibição de abandonar a comarca, por exemplo”, afirmou o ministro.

Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias