O papel dos magistrados na tomada de decisões e as condições subjetivas de cumprimento da pena foram temas de painéis do seminário internacional “Judiciário, sistema penal e sistema socioeducativo: questões estruturais e mudanças necessárias”, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nos dias 3 e 4 de março. O evento foi promovido por meio do programa Justiça Presente, parceria do CNJ com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública para superar problemas estruturais nos sistemas prisional e socioeducativo.
O pesquisador do Cebrap e professor do Programa de Mestrado e Doutorado da Unisinos, professor José Rodrigo Rodriguez, discutiu os formatos institucionais e sociais para que juízes decidam, questionando se o atual desenho de atuação do Judiciário – incluindo estrutura, práticas jurídicas, centralidade na jurisdição e condições subjetivas de cada magistrado -, não acaba criando armadilhas para que juízes acabem sob uma maior pressão e sujeitos à opinião pública. Para o pesquisador, há um predomínio de argumentos de autoridade ou citação de leis em sentenças e decisões em detrimento de uma análise mais crítica e mais aprofundada. “O que se usa para padronizar são súmulas e enunciados. Há segurança jurídica pelo resultado, não pelos argumentos” afirmou.
Rodriguez também apontou que o pouco desenvolvimento da argumentação acaba fortalecendo padronizações como súmulas e enunciados, acentuada por exigências de metas, produtividade e ações em massa, com pouco espaço para reflexão, gerando tendência de mecanização nas decisões. “Que liberdade os magistrados têm para analisar cada caso na totalidade e tomar decisão a partir da própria convicção? Será que encontram incentivo para examinar a complexidade das relações sociais e justificar decisões com argumentos? Há incentivo e oportunidade para refletir ou estamos assistindo a uma jurisdição que mata o pensamento?”
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Rodriguez abordou formas de trazer, por exemplo, o pensamento da sociedade para dentro do Judiciário, como a realização de audiências públicas. “Mais padronização torna o Judiciário mais justo? O desenho institucional não fragiliza o juiz a ceder à pressão dos pares? Juízes desejam ser livres? Ir contra o senso comum pode gerar angústia.”
A medida do castigo
Na conferência seguinte, o defensor público argentino Pablo Vacani fez uma análise crítica sobre a punição para além da duração das penas. Para o professor universitário, é importante a reflexão sobre a construção de uma dogmática que esteja em compasso com as práticas do sistema carcerário. “O tempo cronológico considera que o tempo de aprisionamento é uma privação temporária de liberdade. Mas o certo é que o tempo capturado pelo aprisionamento é muito mais do que uma privação temporária da liberdade, eis que também considera as condições como esse encarceramento é executado. Diante disso, é importante pensar um sistema que permita melhor definir o modo como o conteúdo das condições carcerárias possa traduzir uma medida de maior valor do que a privação temporária da liberdade”, propôs.
Vacani fala da violência estrutural ligada ao cárcere, como por exemplo a falta de acesso a assistências básicas. Para ele, é necessário um olhar individualizado para cada pena, analisando as condições de cumprimento e as relações intramuros, seja já entre as próprias pessoas privadas de liberdade e os agentes penitenciários. “Como se constituem essas relações, como se definem formas de violência negociadas ou violência interna? E como isso gera e desenvolve ilegalidades dentro da prisão? Tudo isso pode levar a uma categorização do tratamento arbitrário, porque o Estado é o responsável por essas condições”, continuou.
O defensor desenvolveu um sistema para compreender as trajetórias individuais dentro do cárcere e, assim, tentar transcender o tempo cronológico e pensar na vivência do sujeito, ou “um sistema que vai do estrutural ao individual com a referência ao tempo vivencial da prisão”. Para este acompanhamento, é fundamental o envolvimento de defensores públicos e advogados, assim como de juízes e o Ministério Público.
“A superlotação das prisões resolve-se com consequências jurídicas sobre as próprias penas que são impostas, não com reformas ou mais prisões”, avalia. De acordo com Vacani, o sistema de Justiça deve trabalhar uma forma de controlar o cumprimento de uma pena lícita, com a qual há uma relação entre o defensor público, que monitora as condições da pessoa aprisionada; o promotor, que tenta comprovar que essas condições sejam legais; e o juiz, que estabelece as consequências dessa contradição.
Iuri Tôrres
Agência CNJ de Notícias