O Brasil inovou positivamente ao iniciar as audiências de custódia como forma de enfrentar os desafios do sistema penitenciário, segundo avalia o integrante do Subcomitê das Nações Unidas para a Prevenção da Tortura, advogado peruano Felipe Villavicencio. O coordenador do Grupo Regional para América Latina e Relator para o Brasil fez considerações sobre a metodologia desenvolvida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) durante a conferência de encerramento do 2º Seminário sobre Tortura e Violência no Sistema Criminal – Atuação do Poder Judiciário no Enfrentamento à Tortura, realizado em Brasília na semana passada. O evento foi realizado pelo CNJ e parceiros, na semana passada, no Supremo Tribunal Federal (STF).
“Dá gosto de ver o surgimento das audiências de custódia, que são um ótimo meio de prevenir a tortura por meio da mobilização de juízes para detectar esses casos. A responsabilidade é imensa”, disse. Levantamento do CNJ a partir de dados fornecidos por tribunais até junho de 2016 mostram que em seu primeiro ano de funcionamento, as audiências de custódia detectaram mais de 5 mil alegações de violência no ato da prisão, representando mais de 5% das mais de 90 mil audiências realizadas até agora.
De acordo com Villavicencio, o aumento da criminalidade na América Latina está sobrecarregando o sistema penal com aumento na superlotação, autogoverno de facções criminosas e uso exagerado de prisões preventivas, cenário que facilita situações de abusos e maus tratos. “Os juízes brasileiros, em grande medida, estão convencidos que é preciso tomar medidas contra a tortura que surge fundamentalmente por violência policial. Esse não é o único país onde isso ocorre, essa é uma característica de toda a América Latina”, disse.
O especialista da ONU disse que o Brasil inovou ao criar um sistema nacional de combate à tortura (Lei n. 12.847/2013) e pediu que o Judiciário apoie o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura para que os resultados sejam efetivos. Ele afirmou que o mecanismo não deve ser taxado como órgão de denúncia, e sim como ferramenta para detectar problemas e fazer recomendações e sugestões. “Na América Latina, estão mais que justificados esses mecanismos nacionais de prevenção. Apoiem esses senhores que estão indo contra a corrente e precisam de recursos. Esperamos que esse modelo se replique assim em outros países de nossa região”, disse.
Em diálogo com os magistrados sobre o cenário carcerário e penal da América Latina, foram abordados temas como a privatização de presídios e os efeitos negativos de se responder ao apelo social pelo combate à criminalidade com o endurecimento de penas. “Os cidadãos estão pedindo mão dura sobre a segurança, e antes delitos que eram leves, hoje possuem penas muito altas. Os encarregados dos presídios já estão advertindo que o número de pessoas que ingressam no sistema prisional vai além da capacidade de construir prisões”, pontuou.
O representante da ONU citou a dificuldade prática de enfrentar o encarceramento em massa, lembrando que o modelo brasileiro de alternativas penais criado 1984 foi copiado por outros países, mas não é aplicado na prática. Ele ainda criticou o modelo de processo imediato adotado em alguns países da América Latina, que consiste em julgar os acusados logo após a prisão em flagrante. Segundo o professor, esse modelo está criando altos índices de autoincriminação e não está resolvendo os problemas que busca combater. “As novas modalidades processuais têm acelerados processos que podem gerar efeitos inversos ao que se busca”, ponderou.
Deborah Zampier
Agência CNJ de Notícias