No lugar de cadeia, tratamento. Essa foi a decisão do juiz de Direito Danniel Bonfim, que conduziu a primeira audiência de custódia realizada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Acre (TJAC), nesta segunda-feira (14/9), marcando o lançamento do projeto Audiência de Custódia do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no estado. Um homem de 38 anos, preso em flagrante em Rio Branco por tentativa de furto, teve a prisão relaxada e, no lugar do encarceramento, houve a expedição de medida cautelar de internação compulsória em uma clínica para reabilitação de dependentes químicos, após a homologação do flagrante. E. S. A. é usuário de drogas desde os 14 anos e nunca recebeu qualquer tratamento para a dependência de entorpecentes.
Apesar de o homem estar em cumprimento de sentença em regime aberto por já ter sido condenado a cinco anos por furto em 2013, o juiz decidiu não devolvê-lo à cadeia por entender que o acusado apresentaria mais risco à sociedade sendo preso com autores de crimes de maior potencial ofensivo do que tratando a causa que o levou à prática do crime. A decisão do magistrado se deu após manifestações do Ministério Público, da Defensoria Pública e do próprio acusado.
O lançamento do projeto Audiência de Custódia em Rio Branco foi feito pelo presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, com a assinatura do termo de adesão ao projeto por parte do TJAC e do governo do estado. O projeto implantado pelo Conselho Nacional de Justiça prevê que, no menor prazo possível, todo preso em flagrante seja apresentado a um juiz para que este decida se o acusado deve aguardar o julgamento preso ou em liberdade.
O objetivo é reduzir o alto índice de encarceramento de presos provisórios no país, que chega a 41% da população carcerária brasileira, segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) do Ministério da Justiça, publicado em 2014. “Precisamos combater a cultura do encarceramento que coloca o Brasil como quarto país que mais prende no mundo; e as audiências de custódia significam um marco civilizatório, um avanço do ponto de vista humanístico da Justiça brasileira”, defendeu o ministro durante a solenidade de lançamento do projeto no Acre.
A audiência de custódia, ou audiência de apresentação, está prevista em tratados internacionais de direitos humanos assinados pelo Brasil há décadas, mas ainda não ocorria de forma sistemática no Judiciário até a implantação do projeto do CNJ, em fevereiro deste ano. Na audiência, o preso também tem a oportunidade de relatar eventuais maus-tratos ou tortura promovidos por parte da polícia durante a detenção. Inicialmente, as audiências de custódia vão ocorrer nas quatro Varas Criminais de Rio Branco e nos plantões judiciários do TJAC.
Déficit de vagas
O Acre é a décima oitava unidade da Federação a implantar o projeto. O estado tem a quarta maior taxa de aprisionamento do país, com 441,2 presos para cada 100 mil habitantes, perdendo apenas para Mato Grosso do Sul, São Paulo e Distrito Federal. De acordo com o Infopen, o estado tem um déficit de 1.228 vagas no sistema carcerário. São 3.486 detentos para 2.258 vagas nas oito unidades prisionais acreanas.
Durante a solenidade, o presidente do CNJ destacou os resultados já obtidos com o projeto Audiência de Custódia no Brasil. Levantamento do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ aponta que cerca de seis mil presos em flagrante estão respondendo ao processo em liberdade graças à realização do procedimento em 17 estados brasileiros onde o projeto já foi implantado. Essas liberdades já renderam aos cofres públicos aproximadamente meio bilhão de reais.
“Levando em consideração a média de 50% de soltura de presos em decorrência das audiências de custódia e que cada preso custa, aproximadamente, R$ 3 mil ao mês ao Estado, em um ano serão economizados R$ 4,3 bilhões, que poderão ser empregados em saúde, educação e melhoria dos serviços públicos aos nossos cidadãos”, destacou o ministro Lewandowski. “Vamos dar início a um processo que dará maior agilidade no tratamento da jurisdição penal”, destacou a presidente do TJAC, desembargadora Cezarinete Angelim.
Na avaliação do governador do Acre, Tião Viana, que também assinou o termo de cooperação para a implantação das audiências de custódia, o projeto possibilita uma melhoria integral no sistema carcerário do estado. “O governante todo dia dorme e acorda preocupado com o orçamento. Vossa Excelência trouxe aqui uma lição de economia para os custos públicos, de R$ 4,3 bilhões estimados ao ano. Isso sem contar com os custos indiretos que advêm do fato de o acusado responder em liberdade. Olhamos para o nosso sistema prisional e não estamos satisfeitos com ele; temos buscado meios alternativos de evitar a superlotação, mas as dificuldades orçamentárias são enormes. Esse modelo vem auxiliar nesse caminho”, ressaltou.
Conciliação
A ida do ministro Ricardo Lewandowski a Rio Branco também marcou a inauguração do primeiro Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) do Segundo Grau do Judiciário acreano. Agora, o TJAC possui 12 Cejuscs, dos quais 11 são destinados ao Primeiro Grau, distribuídos em comarcas da capital e do interior.
Os Cejuscs estão previstos no novo Código de Processo Civil (CPC), que entrará em vigor em março de 2016. Pelo novo CPC, todos os Tribunais de Justiça do país devem contar com esses centros para atuar especificamente na solução pré-processual de conflitos, no setor de solução de conflitos processual e no setor de cidadania.
O presidente do STF e do CNJ recebeu em Rondônia cinco condecorações de mérito concedidas a autoridades que prestam serviços de alta relevância ao Judiciário e ao país. Do Tribunal de Justiça do estado, o ministro Lewandowski recebeu a comenda Colar do Mérito Judiciário; do governo do estado, a Ordem do Estado do Acre; do Tribunal Regional Eleitoral do Acre (TRE-AC), a Medalha do Mérito do TRE; da Assembleia Legislativa, a Ordem do Mérito Legislativo; além de homenagem da Associação dos Magistrados do Acre.
“A atenção que tem dado aos Tribunais de Justiça dos estados e, em especial, aos esforços envidados com ações inovadoras, para dar um novo e célere ritmo à Justiça justificam tamanha honraria”, destacou a presidente do TJAC, desembargadora Cezarinete Angelim, ao citar iniciativas voltadas à conciliação, à mediação e à cultura da pacificação social, além das audiências de custódia.
Waleiska Fernandes
Agência CNJ de Notícias