O ritmo de crescimento da população carcerária de São Paulo, a maior do país, caiu nos primeiros meses de funcionamento do projeto Audiência de Custódia, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP). Entre fevereiro e julho deste ano, a quantidade de pessoas presas no estado aumentou 1,14%, contra 2,99% no mesmo período de 2014, de acordo com levantamento da Secretaria da Administração Prisional de São Paulo (SAP). As liberdades concedidas nas audiências de custódia evitaram que 2,6 mil pessoas presas na capital paulista entrassem no sistema carcerário, onde cerca de 220 mil pessoas cumprem pena ou aguardam julgamento.
Nas audiências de custódia, as pessoas presas em flagrante são apresentadas a um juiz de direito, que verifica em que condições a prisão ocorreu e decide, após as manifestações do Ministério Público e da Defensoria Pública, se é possível conceder liberdade provisória aos acusados para que possam aguardar o julgamento em liberdade. Esse direito vem sendo concedido em cerca de 50% das audiências de custódia realizadas nos estados. A iniciativa já evitou oito mil prisões desnecessárias, de acordo com o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski.
Segundo o secretário da Administração Prisional de São Paulo, Lourival Gomes, as audiências de custódia têm contribuído para a redução no percentual de crescimento da população carcerária do estado ao encaminhar para o cárcere “somente aquelas pessoas cujos antecedentes ou delito cometido recomendem o encarceramento em prisão”. Para o secretário, o projeto contribui “sensivelmente” para a redução da quantidade de inclusão de pessoas autuadas em flagrante delito no sistema penitenciário. “No período de fevereiro a julho de 2014 ocorreram 5.520 inclusões de pessoas provisórias no sistema penitenciário, sendo que no mesmo período de 2015 essa quantidade foi reduzida para 1.875”, comparou.
Essa também é a avaliação do presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Augusto de Arruda Botelho. Segundo ele, a realização das audiências de custódia “certamente” ajuda a explicar o freio no crescimento da população prisional de São Paulo. “É evidente que o número absoluto da população carcerária vai ser reduzido, o que mostra a importância das audiências de custódia e da aplicação não apenas de medidas privativas de liberdade, mas restritivas de direitos”, disse. Um dos parceiros do CNJ na implantação do projeto, o IDDD tem monitorado as audiências na capital paulista. “Temos pesquisadores acompanhando as audiências de custódia em São Paulo para propor mudanças e melhorias no futuro”, afirmou Botelho.
Já para o diretor jurídico da Pastoral Carcerária, Paulo Cesar Malvezzi Filho, as audiências de custódia são parte da solução do problema prisional no país, mas precisam ser acompanhadas de outras políticas públicas. “As audiências de custódia podem ser um dos elementos para ajudar a reduzir a população carcerária, mas são insuficientes”, observou. De acordo com Malvezzi, ainda não é possível verificar a influência das audiências de custódia nos centros de detenção provisória da capital paulista, que seguem superlotados e degradados.
Encaminhamento social – Mas o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), juiz Luís Geraldo Lanfredi, enfatiza que as audiências de custódia não implicam, apenas, um “rito de passagem e deslocamento” do preso entre a delegacia e o fórum. “O projeto difundido pelo ministro Ricardo Lewandowski é muito mais amplo, na medida em que contempla a possibilidade de efetivação de outras políticas públicas, como o encaminhamento dos presos que se encontram em alguma situação de vulnerabilidade social, como pobreza extrema ou dependência química, ao serviço de assistência social do estado”, afirmou o magistrado.
O Estado, segundo Lanfredi, “está tendo condições concretas e antecipadas de descobrir, conhecer e oferecer, pela primeira vez, o devido encaminhamento social aos que não merecem, de pronto, o cárcere e acabam colhidos pelo sistema de Justiça criminal por força, preponderantemente, da situação de vulnerabilidade em que se encontram”. De acordo com informações do TJSP, receberam esse encaminhamento 7% das pessoas apresentadas nas 7.852 audiências de custódia realizadas até o fim de agosto.
O projeto também prevê a integração das audiências de custódia a centrais integradas de alternativas penais e centrais de monitoração eletrônica, entre outras estruturas do sistema de segurança pública. Como resultado, as 1,3 mil liberdades provisórias concedidas nos primeiros meses do projeto a acusados de furto não implicaram aumento desse tipo de crime em São Paulo. Contrariando o ceticismo com que o projeto foi tratado antes mesmo de seu lançamento, o índice de ocorrências de furto na capital paulista caiu 8,7% entre março e julho, comparado com o mesmo período no ano passado, segundo dados do TJSP e da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP).
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Economia – Desde fevereiro, quando as audiências de custódia começaram a ser implantadas na Justiça brasileira, aproximadamente oito mil pessoas deixaram de ser presas. Como consequência, foram economizados R$ 500 milhões que seriam usados na manutenção de detentos e na construção de unidades prisionais. Se for mantido o percentual de audiências que resultaram até o momento na concessão de liberdade provisória – 50% –, em um ano cerca de 120 mil pessoas deixarão de ser presas e não seria necessária a construção de mais 230 presídios. A economia gerada seria de R$ 14 bilhões para os cofres públicos.
O projeto do CNJ foi adotado pelos tribunais de Justiça dos 26 estados, faltando apenas o Distrito Federal, que adere nesta quarta-feira (14/10). O projeto Audiência de Custódia conta também com a adesão da Justiça Federal. No dia 23 de setembro, o CNJ assinou convênio com o Conselho da Justiça Federal para expandir a iniciativa aos tribunais regionais federais. Até o fim de outubro, a expectativa do CNJ é de que todos os tribunais de Justiça terão aderido ao projeto.
Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias