Foi por meio de um desenho em sua mão – o “X” do símbolo da Campanha Sinal Vermelho – que Maria*, de 39 anos, conseguiu ser libertada de uma situação de trabalho análogo ao escravo e violência doméstica em Campo Grande (MS). Portadora de deficiência auditiva e de depressão, ela conseguiu mandar uma foto de sua mão com o “X” desenhado para sua filha adolescente por um aplicativo de mensagem instantânea.
A campanha foi criada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e farmácias de todo o país e vem conseguindo salvar as mulheres de situações de violência doméstica, como o caso de Maria*. Ela vinha sofrendo violência patrimonial, moral e psicológica na casa de sua própria irmã e do cunhado, onde morava para cuidar do pai doente.
A filha denunciou para o 190 após receber a foto. E uma equipe do Batalhão de Polícia Militar de Campo Grande (MS) foi até o local e encontrou a vítima. “Quando nós chegamos, ela nos sorriu e demonstrou muito alívio. Ela conseguiu nos sinalizar por meio da linguagem de sinais que queria que tirássemos ela de lá. Ela entrou na viatura e não olhou nenhuma vez para trás”, conta Gizele Viana, uma das policiais que atendeu o caso.
Inclusão
A conselheira e coordenadora do Movimento Permanente de Combate à Violência Doméstica do CNJ, Maria Cristiana Ziouva, destaca a importância da campanha nesse momento da pandemia do novo coronavírus. “O objetivo da campanha é oferecer um canal silencioso, permitindo que essas mulheres se identifiquem e, a partir daí, sejam ajudadas e tomadas as devidas soluções.”
Para a juíza Jacqueline Machado, da 3ª Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Campo Grande e presidente do Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica contra a Mulher (Fonavid), o caso mostra o caráter inclusivo da campanha. “Mesmo com limitações, a moça conseguiu se fazer ouvir. O símbolo do ‘X’ nas mãos alcançou a sociedade e essa visibilidade é o que há de mais importante para nós. Significa que estamos incluindo as pessoas, a comunidade, no enfrentamento à esse crime”, afirma a magistrada, que também reforça o alcance da campanha. “É um símbolo de violação de direitos. E isso não se restringe às farmácias. Toda a sociedade pode e deve estar atenta aos sinais.”
Acostumada a lidar com casos de violência desde que entrou na corporação há 23 anos, quatro deles no Programa Mulher Segura da PM do Mato Grosso do Sul, essa foi a primeira vez que a policial Gizele acompanhou de perto uma denúncia silenciosa por meio da campanha Sinal Vermelho. “A campanha veio para ficar. É como um manifesto e também uma orientação. Muitas mulheres simplesmente não sabem o que fazer nessas horas e a campanha abriu essa porta. A prova disso é essa moça ter conseguido adaptar a ideia, ter conseguido se comunicar e se salvar.”
Pandemia
A campanha é resultado do grupo de trabalho criado pelo CNJ para elaborar estudos e ações emergenciais voltados a ajudar as vítimas de violência doméstica durante a fase do isolamento social. O grupo foi criado pela Portaria nº 70/2020, após a confirmação do aumento dos casos registrados contra a mulher durante as ações de distanciamento social para evitar a transmissão do novo coronavírus.
Outros casos de denúncias silenciosas têm ocorrido em diversas localidades e municípios. Em julho, um homem agressor foi preso em flagrante em Ituporanga (SC) após denúncia da mulher por meio do sinal que é símbolo da campanha nas mãos.
Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias
(*) Nome fictício para garantir a integridade da vítima