Centenas de portadores de transtornos mentais que cometeram atos infracionais estão presos como criminosos comuns, apesar de considerados inimputáveis pela Justiça. O alerta foi dado pelo juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Douglas de Melo Martins, coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF). Ele abordou o tema no II Encontro Nacional de Gestores de Saúde no Sistema Prisional, realizado, em Brasília/DF, pelos ministérios da Justiça e da Saúde.
Segundo o magistrado, responsável pela coordenação nacional dos Mutirões Carcerários, essas pessoas, por serem cumpridoras de medidas de segurança, não deveriam estar em presídios ou casas de detenção, mas, sempre que possível, o tratamento deveria ocorrer sem que o paciente se afastasse do meio social em que vive, visando sempre à manutenção dos laços familiares. Segundo Douglas de Melo Martins, quando necessária a internação, que seja na rede pública de saúde, conforme prevê a Recomendação CNJ n. 35.
Para o representante do CNJ, essa distorção resulta, de um lado, da interpretação que se dá à legislação penal brasileira, vinculando o cumprimento das medidas de segurança ao sistema penitenciário. O magistrado também aponta como causa do problema a resistência encontrada na própria rede pública de saúde, que, segundo ele, usa como argumento uma suposta periculosidade para se negar a acolher essas pessoas.
“Por esse tipo de experiência nós já passamos: determinar que aquelas pessoas submetidas às medidas de segurança sejam encaminhadas à rede pública de saúde. A resistência foi muito forte. Mesmo os maiores defensores da política antimanicomial, contraditoriamente, defendem a permanência dessas pessoas, entre aspas, perigosas, dentro do sistema prisional. É surpreendente. Essa experiência, para mim, foi um choque”, lamentou o representante do CNJ.
O magistrado alertou também para o fato de que as reformas do Código Penal e da Lei de Execução Penal, em discussão no Congresso Nacional, precisam estar em harmonia com a Lei n. 10.216, que trata dos direitos e da proteção das pessoas acometidas de transtorno mental. Até o momento não há notícia de que as reformas caminharão nesse sentido.
Ele propôs que o Comitê Técnico Intersetorial de Assessoramento e Acompanhamento da Política Nacional de Saúde no Sistema Prisional, do qual o CNJ é parte, faça gestão junto ao Congresso Nacional para que sejam promovidas mudanças na legislação penal brasileira em favor dos cumpridores de medidas de segurança. “Essa interlocução é fundamental para evitarmos um retrocesso”, avisou o magistrado.
Douglas de Melo Martins informou ainda que o CNJ discute a possibilidade de aperfeiçoamento da Recomendação CNJ n. 35, do Provimento n. 4 da Corregedoria Nacional e de Resoluções que tratam do tema. O objetivo é que o sistema de Justiça tenha instrumentos mais eficazes para o tratamento das pessoas com transtornos mentais em conflito com a Lei.
As inspeções dos Mutirões Carcerários do CNJ em todo o País têm encontrado diversos exemplos das distorções apontadas pelo juiz Douglas Martins. Uma das mais emblemáticas situações foi verificada em agosto deste ano, durante Mutirão no Ceará: um homem de aproximadamente 80 anos, com transtornos mentais e absolvido pela Justiça em 1989, estava preso em uma unidade do sistema carcerário na região metropolitana de Fortaleza/CE. Por intervenção do CNJ junto às autoridades locais, ele foi transferido para uma instituição de saúde.
O Mutirão Carcerário no Ceará foi coordenado pelo juiz Paulo Augusto Irion, que recomendou a transferência do idoso. “Acho que este ser humano, em uma cadeira de rodas, usando fraldas, deve ser o preso mais antigo do Brasil, pois a informação é de que ingressou no sistema prisional na década de 60 do século passado”, afirmou o magistrado, que pertence ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS).
Jorge Vasconcellos
Agência CNJ de Notícias