Próximo de completar um mês em execução, o programa Cidadania nos Presídios já apresenta importantes resultados na busca de um tratamento mais humano e individualizado das penas, devolvendo cidadãos com melhores perspectivas de serem reintegrados à sociedade. Estado escolhido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para desenvolver o programa de forma pioneira, o Espírito Santo já registrou cerca de mil alvarás de soltura, todos seguindo o que determina a legislação brasileira.
O programa teve início no estado capixaba devido ao comprometimento dos poderes públicos locais para resolver os gargalos da porta de saída do sistema carcerário. No primeiro eixo, o CNJ propõe a alteração das rotinas e fluxos de trabalho nas varas de execução penal para priorizar a análise dos casos de comutação, indulto, livramento condicional e progressão de regime. “O mais importante é registrar que não estamos concedendo nenhum benefício ou favor, e sim reconhecendo direitos previstos em lei com uma análise mais ágil. Esse não é um projeto de soltura a qualquer preço”, explica o juiz da 8ª Vara de Execuções Penais de Vila Velha, Daniel Peçanha.
Devido ao excesso de trabalho, os juízes não conseguiam analisar os processos de forma a particularizar a individualização da pena – no Espírito Santo tramitam mais de 55 mil guias somente nas varas exclusivas de execução penal. O início do programa foi antecedido por uma radiografia completa da situação penal e carcerária do estado, levantamento realizado a partir da conjugação de esforços entre Judiciário e Executivo. Com a análise desses dados, um plano de ação foi traçado e o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) colocou todas as varas de execução penal em regime especial de atuação, facilitando a tomada de decisões administrativas e a flexibilização de procedimentos. A situação excepcional vai perdurar até setembro de 2016.
Olhar humano – O investimento na recapacitação de juízes e funcionários abriu espaço para a identificação de métodos e rotinas de trabalho. Além disso, as 10 varas de execução penal do estado receberam o reforço de 23 funcionários cedidos por entidades notariais locais e pela Secretaria de Justiça do estado. Titular da 2ª Vara de Execução Penal de Viana, a juíza Cristiania Lavinia afirma que além de priorizar os casos de indulto e comutação conforme previsto em lei, uma das maiores vantagens do Cidadania nos Presídios é propor um olhar mais humano e individualizado do preso, pois a análise de benefícios está sendo realizada em audiências concentradas com a presença do condenado preso e de integrantes do Ministério Público e da Defensoria Pública.
Além das audiências concentradas, os atores do sistema de Justiça estão organizando palestras para conversar com os presos e tratar de conceitos como Justiça, execução penal e direitos. “É muito gratificante quando você conversa com o reeducando e ele diz que esse contato mais próximo mudou a vida dele, que ele entendeu coisas que ele não entendia, permitindo-lhe alterar a forma de compreender a pena”, explica a magistrada.
Escritório Social – Além do eixo processual, o Cidadania nos Presídios tem um eixo social dedicado àqueles que deixam o sistema prisional. O Escritório Social está sendo estruturado em parceria com o Executivo capixaba a partir da metodologia proposta pelo CNJ, com o objetivo de reunir em um só lugar todos os órgãos capazes de proporcionar os encaminhamentos necessários aos recém-egressos, como acompanhamento psicossocial, qualificação profissional, entrevistas vocacionais e atendimento para garantias civis, como emissão de documentos.
Os magistrados capixabas envolvidos no programa avaliam que o CNJ tem desempenhado papel fundamental para transformar a realidade nas varas de execução penais e o sistema carcerário do estado. “A proposta de desenvolver um programa em parceria com os poderes locais foi muito positiva, pois deu visibilidade a um tema urgente. Nós tínhamos ideias, mas tínhamos as mãos amarradas, e a vinda do CNJ com o intuito de ajudar só melhorou, pois além de trazer propostas, alternativas e métodos novos, as nossas ideias foram aceitas e valorizadas”, avalia a titular da Vara de Execuções Penais de Vila Velha, juíza Patrícia Faroni.
Para o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, juiz auxiliar Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi, o número de vagas liberadas nesse curto espaço de tempo demonstra o acerto da nova metodologia e o firme engajamento do Judiciário capixaba com a proposta do Conselho. “Os resultados já estão sendo percebidos diante da própria estagnação do crescimento do contingente prisional, que parou de crescer”, avalia.
Mapeamento – O Espírito Santo tem população carcerária de cerca de 19 mil presos, sendo que 45% destes são provisórios. A próxima etapa do projeto é o mapeamento e a criação de um melhor controle dos presos provisórios no estado. “Temos que assumir o controle de quem entra e quem sai do sistema prisional e identificar onde se acham os focos de encarceramento mais expressivos dentro do próprio Judiciário”, explica o juiz Luís Lanfredi. A expectativa é que o projeto libere mais de 4 mil vagas nos presídios locais, e que a população carcerária seja estabilizada e adequada à capacidade prisional do Espírito Santo.
Deborah Zampier
Agência CNJ de Notícias