CNJ discute a qualidade da Justiça e a saúde dos juízes e servidores

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A qualidade dos serviços prestados pelo Poder Judiciário e a saúde de magistrados e servidores foram discutidos durante o “Colóquio sobre Saúde no Poder Judiciário”, com o psicanalista, médico, professor e pesquisador francês Christophe Dejours. O evento, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 16 de setembro, teve como ponto de partida a pesquisa “Trabalhar na magistratura, construção da subjetividade, saúde e desenvolvimento profissional”. O levantamento, concluído no ano passado, foi coordenado pelo professor Laerte Idal Szelwar, vinculado à Fundação Vanzolini, da Universidade de São Paulo (USP), sob a supervisão do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do CNJ.

A diretora técnica do DPJ, Thamara Medeiros, apresentou um resumo da pesquisa, que concluiu, por exemplo, que um dos maiores anseios dos magistrados brasileiros é conseguir transformar a vida coletiva por meio de suas decisões judiciais. Outra necessidade dos magistrados destacada no estudo é a de cultivar uma boa imagem junto à sociedade e gozar de sua confiança. A pesquisa ainda abordou a competitividade que caracteriza a profissão e o consequente isolamento em que estão mergulhados os juízes em seu cotidiano.

Após a apresentação, o professor Dejours ressaltou o ineditismo da pesquisa e se disse impressionado com o fato de o Brasil estar à frente de muitos países ao estabelecer essa discussão. “Na França e na Europa como um todo, é muito raro se fazer um debate desse tipo com os magistrados, pois eles simplesmente se colocam acima dessa e de outras questões”, afirmou o especialista. O evento, organizado pela Comissão de Gestão Estratégica, Estatística e Orçamento do CNJ, contou com a participação dos conselheiros Lelio Bentes, Daldice Santana, Fernando Mattos, Gustavo Tadeu Alkmin, Carlos Eduardo Dias, Arnaldo Hossepian, Luiz Allemand e Emmanoel Campelo, além do juiz e pesquisador Leonardo Viera Wandelli (TRT9) e das diretoras do DPJ, Fernanda Paixão e Thamara Medeiros.

Gestão – Apesar dos elogios, o psicanalista francês disse que ainda há muito a se fazer no Brasil, principalmente em relação à gestão dos órgãos do Poder Judiciário. Para ele, é necessário ultrapassar o paradoxo que marca a lógica do trabalho. “As instituições possuem uma racionalidade estratégica, voltada para resultados e utilizam as pessoas como meio. Já os trabalhadores movem-se pela racionalidade subjetiva, de proteção de si e de sua saúde”, ponderou. Dejuours acredita que as organizações precisam conhecer melhor as nuances do trabalho do juiz de modo a valorizá-lo e ao mesmo tempo prestar contas à sociedade. Ele concluiu que os juízes são um importante elo da cadeia produtiva, dificilmente substituíveis, cujo trabalho ainda é enigmático, pois se desconhece a verdadeira prática realizada pelos juízes, que habilidades lhes são exigidas e como prepará-los para o ofício.

Após as explanações, os conselheiros puderam formular suas reflexões sobre o tema. “Nós todos estamos iniciando o nosso mandato de dois anos no Conselho Nacional de Justiça. Então, essa oportunidade é interessantíssima, porque, primeiro, nos chama atenção para temas realmente relevantes, cujo foro natural para discussão é este Conselho”, afirmou o conselheiro Lelio Bentes, idealizador do colóquio.

Para o conselheiro, o CNJ terá prestado grande serviço se conseguir, nos próximos dois anos, conciliar fatores importantes na relação entre a Justiça e a sociedade. “Com essa discussão, podemos divisar um relevante tópico para nos dedicarmos ao longo desses dois anos. Se lograrmos construir, edificar algo no caminho da solução desses problemas, da construção de um ambiente de trabalho melhor e que estimule o magistrado e aumente a sua confiança em si próprio e na instituição, certamente teremos prestado um serviço relevante a toda a sociedade”, afirmou Lelio Bentes.

Já a conselheira Daldice Santana destacou a oportunidade do colóquio para refletir sobre formas de “humanizar” os resultados do relatório Justiça em Números, divulgados pelo CNJ também em setembro. O estudo inclui informações sobre produtividade de magistrados e servidores, orçamento dos tribunais e despesas, entre outras. “Precisamos e ainda necessitamos trabalhar com números, mas, às vezes, a gente precisa qualificar esses números. Às vezes, é preciso agregar, um pouco mais de humanização, de ouvir mais, de constar no relatório (Justiça em Números) questões motivacionais, de valorização do trabalho”, afirmou a conselheira.

Por sua vez, o conselheiro Gustavo Tadeu Alkmin observou ter chegado o momento de o Judiciário passar a discutir outros aspectos igualmente importantes, além da produtividade. “O primeiro é a qualidade da prestação jurisdicional e o segundo é a questão da saúde dos magistrados e dos servidores envolvidos nesse processo”, disse Alkmin. Ele destacou que a pressão por produtividade tem sido associada a muitos casos de doenças entre magistrados e servidores, sobretudo enfermidades de ordem emocional. “Nós temos o lançamento do Justiça em Números, que é um trabalho hercúleo, mas nós temos que humanizar esses números e trabalhar isso em favor da saúde do juiz, até porque, em última análise, isso implicará, necessariamente, na melhoria da qualidade da prestação jurisdicional”, propôs Alkmin.

Contradição – Já o conselheiro Carlos Eduardo Dias disse haver uma contradição entre a atuação dos magistrados no julgamento de processos, em que garantem direitos, e a realidade verificada dentro do próprio Judiciário, no qual, segundo ele, as condições de trabalho nem sempre são adequadas. “Precisamos valorizar o trabalho humano, enquanto elemento de dignificação social, de transformação de um ser social, e nós não vemos, muitas vezes, isso acontecendo dentro do Judiciário”, avaliou.

Para o conselheiro Arnaldo Hossepian, “a questão da saúde do magistrado e de todo servidor público, sem dúvida nenhuma, tem de ser uma preocupação”. Ele acrescentou ser fundamental para o bem-estar do juiz resolver a demanda em tempo razoável, com qualidade e, ao mesmo tempo, perceber que a sociedade confia no Judiciário e o vê como “seu último refúgio, sua última esperança”.

O conselheiro Fernando Mattos, por sua vez, disse que a simples decisão judicial de um juiz não tem sido necessária para angariar a confiança da sociedade em relação ao Judiciário. Na sua opinião, o sistema jurídico atual favorece o devedor do direito e não o seu credor. “Nosso sistema foi estruturado para proteger aquele que deve o direito. O Código de Processo Civil, por exemplo, tem aquela regra de que a execução se processará do modo menos gravoso para o devedor. Eu fico pensando naquele credor, naquela pessoa que esperou durante anos e anos pela conclusão de um processo”, afirmou o conselheiro.

Em suas manifestações, todos os conselheiros concordaram com a necessidade de o Poder Judiciário, sob a coordenação do CNJ, buscar um modelo de gestão que, ao mesmo tempo, qualifique a prestação jurisdicional e garanta adequadas condições de trabalho para magistrados e servidores. Nesse sentido, avaliaram como fundamental a publicação da resolução do CNJ que cria Política de Atenção Integral à Saúde de Magistrados e Servidores do Poder Judiciário. Ela foi aprovada em 4 de agosto pelo Plenário do CNJ.

Agência CNJ de Notícias