Casos polêmicos de julgamentos que decidem por pedidos relacionados à área de Saúde são vários em todo o Brasil. Mas algumas situações emblemáticas foram observadas no próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que julgou – e decidiu pelo arquivamento – em 17 de agosto de 2009, de reclamação disciplinar apresentada à Corregedoria Nacional de Justiça contra a juíza federal Ana Latorre, de Porto Alegre/RS. O motivo da reclamação foi a acusação de “excesso” cometido pela magistrada em decisão tomada numa ação ordinária que culminou com a prisão do procurador regional da União da 4ª Região. A questão: ela exigiu que fosse fornecido determinado suplemento alimentar para uma criança e pediu a detenção dos responsáveis pelo não cumprimento da decisão.
A ação que chegou ao CNJ partiu de uma demanda de saúde pública, movida contra a União Federal, o Estado do Rio Grande do Sul e o Município de Porto Alegre. A juíza decidiu pela concessão de tutela antecipada para determinar à União, Estado e Município que fornecessem, por prazo indeterminado e em caráter de urgência, o suplemento alimentar MSUD2 para um recém- nascido, na quantidade de três latas por mês. Determinou, ainda, como alternativa, o bloqueio judicial da quantia correspondente ao produto.
Cumprimento – A decisão, antecipando a tutela pretendida, foi proferida em março do ano passado, quando a juíza fixou prazo de cinco dias para cumprimento da obrigação e multa diária de R$ 300, em razão do descumprimento. Ocorre que em 14 de abril foi apresentada contestação por parte da União. No dia seguinte, a magistrada determinou o cumprimento da decisão em prazo de dois dias. A Procuradoria Regional da União da 4ª Região protocolou, então, uma petição informando que a decisão não poderia ser cumprida em prazo inferior a 60 dias, pelo fato de, naquele período, estar sendo realizado processo licitatório para a aquisição do referido produto.
Em razão disso, considerando que o medicamento solicitado pelos autores da ação era a única fonte de alimentos da recém-nascida, a juíza determinou que a União fizesse, dentro de 48 horas, o depósito de quantia equivalente ao valor do suplemento alimentar MSUD-2 para três meses de tratamento, sob pena de multa diária de R$ 100, em caso de descumprimento. Como a ordem não foi cumprida, em 7 de maio do ano passado, um oficial de justiça, acompanhado de policiais federais, compareceu à Procuradoria para dar cumprimento a mandado de prisão do procurador regional da União da 4ª Região.
Detenção – O procurador ficou detido por uma hora e meia, quando foi deferida liminar em habeas corpus para sua soltura. No mesmo dia, o valor referente ao suprimento alimentar foi finalmente depositado em conta judicial vinculada ao juízo e liberado à autora da ação, por alvará.
Na reclamação disciplinar feita ao CNJ, a Advocacia-Geral da União (AGU) argumentou que a juíza teria cometido abuso de autoridade e desvio de finalidade na determinação, porque deveria ser considerada incompetente para impetrar a prisão de alguém, considerando-se a natureza cível da jurisdição por ela exercida. Foi destacado, ainda, que mesmo que o procurador tivesse praticado o crime de desobediência não poderia ter sido preso em flagrante, por se tratar de crime de menor potencial ofensivo.
A magistrada afirmou, em sua defesa, que os fatos narrados tinham caráter jurisdicional e a prisão do procurador regional foi determinada em razão da gravidade do caso. Disse, ainda, que a União deixou de cumprir a determinação judicial por mais de 47 dias e a gravidade do estado de saúde da criança “exigia pronta e imediata providência”, motivo pelo qual expediu a ordem de prisão.
Burocracia – Em seu voto, o então corregedor nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp, salientou que, do ponto de vista do sistema jurídico brasileiro, a decretação da prisão foi imprópria. Porém, considerou que a situação “produziu conflito de emoções e valores que pungem corações acostumados à liça forense”.
O ministro Dipp ressaltou, também, que neste caso específico, devido ao peso de seus deveres diante do caso concreto, a juíza “se viu como a última fronteira de funcionamento das instituições públicas para a recém-nascida que pereceria sem os suplementos alimentares especiais”. O que teve bom êxito, uma vez que, de fato, “sua decisão imprópria fez surgirem em poucas horas os meios que asseguraram a vida da pessoa que dependia dos remédios”. Com base no relatório do corregedor, o CNJ decidiu pelo arquivamento da reclamação disciplinar contra a magistrada.
Hylda Cavalcanti
Agência CNJ de Notícias