O crime de feminicídio ainda não é tratado como deveria, de acordo com a advogada Poliana Nara de Oliveira Bezerra, uma das vencedoras da 2ª edição do Prêmio Juíza Viviane Vieira do Amaral, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “O feminicídio traz um contexto de violência recorrente e não o nomear acarreta silenciamento. O que se silencia, não se problematiza e não se evita”, afirmou.
A advogada foi vencedora na categoria Produção Acadêmica, com a dissertação de mestrado “Testemunho Midiático e os Crimes de Feminicídio”, defendida no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais e Humanas da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Poliana Bezerra analisou matérias jornalísticas locais sobre a temática entre os anos de 2015 a 2018. “Mesmo após a tipificação do crime, com a aprovação da Lei n. 13.104/2015, ainda falta cuidado dos meios de comunicação com esse tipo de notícia”, ressalta.
Para Poliana, muitas matérias não contextualizam o fato, não ouvem especialistas, a família, os filhos e até as vítimas, no caso de tentativa. “Tratam como se fosse só mais um crime. E isso normaliza essa situação”, declara. Para a advogada, a análise mais acurada da mídia pode sensibilizar a população, para conscientizar homens e provocar a sociedade a defender suas mulheres. “Se não há escuta da família, de especialistas e da vítima, não sente a dor do outro. É preciso trazer indignação, revolta e desejo de lutar”.
De acordo com a Lei n. 13.104/2015, feminicídio é todo homicídio praticado contra a mulher por razões da condição do gênero feminino e em decorrência da violência doméstica e familiar, ou por menosprezo ou discriminação à condição de mulher. A norma alterou o Código Penal, incluindo-o no rol dos crimes hediondos. Também aumentou em 50% as penas mínimas e máximas para esse tipo penal, com reclusão de 12 a 30 anos. “Mesmo com o aumento da penalidade e tornando o crime algo mais grave, a sociedade ainda não está educada para lidar com essa realidade. Só a Lei não é suficiente para reduzir o número de casos. É preciso uma mudança social baseada na equidade de gênero. E a mídia tem poder para problematizar e fomentar esse debate”, defende a acadêmica.
Poliana Bezerra conta que a ideia do trabalho surgiu quando viu uma notícia sobre o aumento de 48% dos casos de feminicídio no Rio Grande do Norte. “Era um índice muito alto e aquilo me inquietou. Não é fácil o acesso às vítimas, mas passei a observar que muitas notícias não traziam o nome do crime”. Observa ainda que a mídia pauta essas questões na sociedade, mas ainda é falha na apuração dos fatos. “Quando o feminicídio acontece, não é um fato isolado. Há agressões, indícios que levaram ao fato, e até a ausência do Estado. Essas histórias não podem ser só mais um número”.
Ao receber informações sobre o Prêmio Juíza Viviane Vieira do Amaral, a advogada viu uma oportunidade para dar mais visibilidade à problemática, não só em âmbito acadêmico, mas também na sociedade. “O próprio Prêmio do CNJ traz a chance de colocar o assunto em pauta, fomentar debates e repercute a importância de olhar para o contínuo crescimento desses casos que a Lei por si só ainda não coibiu”. Ressalta ainda que, na academia, é preciso evitar a militância, “mas como mulher, a gente tem que dar voz a quem foi calada de forma cruel”.
Texto: Lenir Camimura
Edição: Jônathas Seixas
Agência CNJ de Notícias