O Código de Ética da Magistratura, aprovado no mês passado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), representa notável avanço na incessante busca de aprimoramento dos juízes, na opinião é do conselheiro João Oreste Dalazen, do CNJ, em artigo publicado nesta sexta-feira (12/09) no jornal Gazeta do Povo, de Curitiba (PR). Dalazen ressalta a função do Código como guia para a melhora do serviço público de administração da Justiça. Segue abaixo a íntegra do texto.
O Código de Ética da Magistratura, aprovado no mês passado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), representa notável avanço na incessante busca de aprimoramento dos juízes, na opinião é do conselheiro João Oreste Dalazen, do CNJ, em artigo publicado nesta sexta-feira (12/09) no jornal Gazeta do Povo, de Curitiba (PR). Dalazen ressalta a função do Código como guia para a melhora do serviço público de administração da Justiça. Segue abaixo a íntegra do texto.
Ética e Magistratura
João Oreste Dalazen *
O Padre Antônio Vieira, cujo quarto centenário de nascimento celebramos em 2008, em um de seus célebres sermões, afirmou que "Deus há de nos pedir contas de tudo que fizemos, mas muito mais estreita conta do que deixamos de fazer". Justamente para não incidirem nesta terrível prestação de contas, a Deus e à posteridade, os membros do Conselho Nacional de Justiça vêm de aprovar o aguardado Código de Ética da Magistratura Nacional. Sabemos que, há muito, na sociedade brasileira, vislumbrava-se uma demanda difusa, ainda não atendida, pelo cultivo da ética no exercício da judicatura. A adoção de um Código de Ética Judicial tem o propósito de servir de guia para melhorar o serviço público de administração da Justiça, ao erigir um conjunto de valores e princípios por que devam orientar-se os magistrados.
Efetivamente, precisamos investir na formação continuada do magistrado, em sentido pleno e, não apenas, sob o aspecto técnico-jurídico. Cristo exclamou: "Que tenhas vida, e vida em abundância!" Pois essa "vida em abundância", para o magistrado, deve traduzir-se num cúmulo de "virtudes judiciais", tão excelsas e graves são as responsabilidades que lhe pesam sobre os ombros. Não foi à-toa que Piero Calamandrei assinalou que os juízes devem agir como os sacerdotes de um credo, de modo a que os fiéis não percam a crença. O Código de Ética da Magistratura vem ao encontro de anseios dessa ordem. Sólidas razões o justificam.
Primeiro, porque a confiança pública no sistema judicial e na autoridade moral dos membros do Poder Judiciário é de extrema importância em uma sociedade democrática moderna. Ora, inconteste que para se alcançar a indispensável confiança da população no sistema judicial é inafastável que o juiz exerça o cargo com integridade e independência. Segundo, porque o Código, constituindo o instrumento essencial para os juízes incrementarem a confiança da sociedade em sua autoridade moral, concorre para fortalecer a legitimidade do Poder Judiciário. Terceiro, porque o Código de Ética, definitivamente, pode auxiliar o magistrado, em especial na solução de dilemas e questões cruciais da vida humana, suscitadas no exercício profissional. Quarto, porque mediante a aprovação de um elenco de condutas éticas para os juízes brasileiros, os membros do CNJ expressam, implicitamente, uma postura de humildade, na firme convicção de que é imperativo o estímulo na busca de aperfeiçoamento e de fortalecimento no cumprimento dos deveres. Óbvio e perfeitamente compreensível que num universo de milhares de profissionais, haja conflitos éticos e mesmo desvios pontuais, de maior ou menor gravidade. Nessa última categoria poderíamos referir o caso do juiz que adia a audiência porque a parte, pobre, usava chinelos.
O esgarçamento da autoridade em alguns tribunais e o afrouxamento ético em outros explicam situações que tais, entre outras, com as quais me defrontei, aqui e acolá, no exercício da Corregedoria, após visitar 24 tribunais. São casos excepcionais, pois a maioria dos juízes brasileiros é composta de pessoas operosas e idôneas. Basta, contudo, que um só destoe dos padrões éticos mínimos para tisnar indelevelmente a imagem de todo o Judiciário. Por isso, o desvio ético de um só juiz é problema de toda a magistratura. A aprovação do Código de Ética, em semelhante circunstância, visa a despertar uma consciência crítica das nossas imperfeições e a formar juízes aptos a melhor servir à sociedade. É, portanto, acalentando o natural anseio de crescimento e de evolução dos magistrados, no plano ético, que se concebeu o Código. Vê-se que ele é a favor da elevação espiritual da magistratura. Advogados, médicos, jornalistas, servidores públicos civis federais, publicitários e tantas outras profissões têm Código de Ética. Magistrados de países dos cinco continentes igualmente o têm. Por que a magistratura brasileira não o teria, se precisamente do juiz exigem-se virtudes superiores à do cidadão comum? Objeta-se que o CNJ exorbitou de sua competência uma vez que a matéria seria afeta à Lei Complementar. Ora, a Constituição Federal deu ao CNJ poder regulamentar e, afora isso, o mais previdente e minucioso dos legisladores não conseguiria abraçar em qualquer diploma legal os numerosos princípios e valores erigidos em um Código de Ética. De resto, a elaboração de um Código de Ética repousa na compreensão de que o princípio da obrigatoriedade da conduta ética no exercício da função pública não tem por fundamento a coercibilidade jurídica, mas busca seu fundamento na ética, que, a rigor, não se impõe por lei. A ética, ao contrário, sobrepõe-se à lei e impõe-se pela voluntária adesão dos agentes, fruto da educação e da conscientização que conduza a uma convicção interior. Daí que o iminente encaminhamento ao Congresso Nacional do projeto de futura Lei Orgânica da Magistratura Nacional não era e não é óbice a que sejam proclamados os princípios e valores supralegais norteadores do exercício da magistratura. Pondero também que a lei atual cinge-se em vedar ao juiz "procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções" e atribui-lhe o dever de "manter conduta irrepreensível na vida pública e particular". Trata-se, como visto, de fórmulas vagas e imprecisas, que o Código de Ética esmera-se em especificar.
Enfim, o Código representa notável avanço na incessante busca de aprimoramento dos juízes. Claro: nada garante que doravante os juízes se comportem de modo eticamente correto pelo fato de haver o Código de Ética. Conhecer o bem não implica fazer o bem. Mas é um importantíssimo ponto de partida para a reflexão ética pessoal de cada magistrado. E, como disse Victor Hugo, "nada é tão irresistível quanto a força de uma idéia cujo tempo chegou".
- Ministro corregedor-geral da Justiça do Trabalho, membro do Conselho Nacional de Justiça e Professor da Universidade de Brasília (UnB).
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SR
Agência CNJ de Notícias