A quarta edição do programa de entrevistas “Conte Algo que Não Sei”, promovido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), recebeu na sexta-feira, dia 21, o diretor-geral da Escola da Magistratura do Rio (Emerj), desembargador Caetano Ernesto da Fonseca, e a catedrática de Direito Penal da Espanha, Patricia Laurenzo, para discutir o tema “Violência de Gênero e Feminicídio”. Em um debate contundente, Patricia disse que o problema da violência contra a mulher não é uma questão de Direito Penal, mas, sim, de uma estrutura social patriarcal, calcada no machismo e na reprodução de estereótipos.
“Punir e repreender o agressor é uma das formas mais baratas que o estado tem para resolver o problema e dar uma resposta rápida à sociedade. É caro e trabalhoso dar informação, mudar valores sociais e prevenir por meio da educação, conscientizando as crianças para que não se tornem adultos reprodutores da violência de gênero. Violência contra a mulher é um problema de reprodução de estereótipos de gênero dentro de uma estrutura social patriarcal. Existe uma estrutura social que favorece que homens matem mulheres e isso não é resolvido com Direito Penal”, definiu Patricia Laurenzo.
A catedrática explicou como a Espanha aborda a questão da violência de gênero e do feminicídio. Segundo ela, há entre 55 e 60 crimes contra a mulher por ano em todo o país, que conta com a Lei Integral contra Violência de Gênero, responsável pela redução significativa do número de mortes femininas. A legislação ajudou a aumentar os mecanismos de proteção à mulher na Espanha em até 72 horas. “Sou penalista, mas tenho pouca confiança no Direito Penal e esse ponto não difere muito de país para país. Tem que mudar mais e isso significa passar pelo critério das relações sociais”, ressaltou.
O desembargador Caetano Ernesto da Fonseca colocou a questão do aborto em discussão, citando que este também é um tema em que os direitos da mulher são frequentemente violados, sob a justificativa da religião. A especialista em Direito Penal defendeu que a mulher tenha a liberdade de escolher o que deseja fazer com seu corpo e seu futuro.
“É falsa a ideia de que a mulher, quando engravida, assume de imediato um amor materno incondicional. Muitas delas não querem ter filhos ou são vítimas de violência e têm esse direito de não levar a gravidez adiante”, opinou Patricia. Em seguida, o magistrado ressaltou que a gravidez pode ser um instrumento de dominação do homem. O desembargador disse que, ao rever algumas sentenças no dia a dia, se depara com muitos casos em que as próprias juízas reproduzem opiniões machistas e estereótipos de gênero em suas decisões de 1ª instância.
Problema social – O magistrado também comparou a situação da Espanha com a do Brasil. Ele acredita que o país europeu esteja mais amadurecido em relação à violência de gênero, com a consciência de que é preciso tratar a questão na origem do problema social. “Ficou claro nesse debate que para erradicar a violência contra a mulher é necessário trabalhar uma mudança de mentalidade da sociedade para que ela deixe de reproduzir estereótipos de gênero. Não basta apenas punir”, concluiu desembargador Caetano Fonseca.
Ao final do “Conte Algo que Não Sei”, Patricia Laurenzo disse ser contra a política de abrigamento de mulheres vítimas de violência. “O Estado tem o total dever de proteger a mulher de forma imediata, mas eu acredito que isso deve ser feito dentro do seu seio familiar. O que tem funcionado bastante na Espanha é a ordem judicial de afastamento para que o agressor não se aproxime da mulher”, relatou.
O debate ocorreu na Biblioteca do TJRJ. O “Conte Algo que Não Sei”, inspirado na coluna do Jornal O Globo, é uma iniciativa do diretor-geral de Comunicação e de Difusão do Conhecimento (DGCOM) do TJRJ, professor e historiador Joel Rufino dos Santos.
Fonte: TJRJ