O Mutirão do Júri do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) está dando impulso ao julgamento dos processos envolvendo os crimes dolosos contra a vida em todo o estado. O esforço concentrado, que tem como parceiros o Ministério Público e a Defensoria Pública estadual, prevê a realização de 700 sessões de julgamento, em 159 comarcas.
A ação se estende por todo o mês de maio. Embora envolva grandes comarcas, como Montes Claros e Vespasiano, a iniciativa priorizou comarcas de primeira e segunda entrância, que normalmente possuem menor estrutura física e humana para realização dos julgamentos.
De acordo com a juíza auxiliar da Presidência do TJMG Marcela Maria Pereira Amaral Novais, a expectativa com a mobilização é reduzir em quase 60% as sessões do júri previstas, na justiça estadual, até 2025. Segundo a magistrada, a resposta dos colegas foi entusiástica e comprometida, o que ela avalia como fundamental para o sucesso.
Araxá
Araxá, no Alto Paranaíba, registra atualmente um acervo de mais de 9,2 mil feitos criminais. Até junho de 2020, a comarca dispunha de apenas uma vara criminal, encarregada inclusive das execuções penais, alcançando mais de 13 mil processos. A partir da instalação da 2ª Vara Criminal e da Infância e da Juventude, a redistribuição dos processos aliviou um pouco da pressão.
Contudo, de acordo com o juiz titular da unidade, Dimas Ramon Esper, o volume de júris continuava elevado e a vazão pequena, pois esse tipo de julgamento movimenta bastante a secretaria, dificultando o atendimento de outras necessidades. “Um elemento fundamental do mutirão foi a incrível rapidez com que foram ouvidas as nossas necessidades e resolvidas as questões logísticas que impediam uma pauta mais extensa.” Ele explicou que a estratégia de seleção dos casos, que deveriam ser antigos, menos complexos e de réus soltos, ajudou a otimizar os trabalhos e deu ótimos frutos.
Segundo Esper, quando se fala em júri, pouca gente pensa nos “bastidores” necessários para que eles ocorram, como o espaço físico para possibilitar o julgamento, a quantidade de jurados exigida, a alimentação deles durante o julgamento, a acomodação de testemunhas, a presença de promotores e defensores disponíveis e a tecnologia para videoconferências.
“Entraves burocráticos foram eliminados pela organização do mutirão, e isso nos deu novo fôlego, a ponto de conseguirmos realizar dois júris simultâneos em vários dias, e desencadeou uma corrente de colaboração. A Câmara Municipal cedeu seu salão para realização de julgamentos, e a Ordem dos Advogados nos apoiou com a nomeação de dativos”, conta o magistrado.
Ele explica as dificuldades que precisaram ser superadas. “É uma carga de trabalho hercúlea. Para se ter uma ideia, precisamos de quatro turmas de 25 jurados, que, tão logo convocados, podem apresentar escusas e precisam ser substituídos.” A solução foi utilizar aplicativos de mensagem para intimações e trabalhar muito. “Os servidores são o fator mais importante. Sem uma secretaria e uma escrivã valente, seria impossível chegar a esse número de 17 júris.”
Serro
A comarca de Serro, na região Central de Minas, é de Vara Única, mas demonstrou o mesmo empenho em aderir à iniciativa. A proximidade da licença-maternidade não impediu a juíza diretora do foro, Sophia Goreti Rocha Machado, de batalhar pelo êxito da ação e acertar os detalhes para que os julgamentos acontecessem. Segundo a magistrada, atividades jurisdicionais essencialmente presenciais, como o plenário do júri, foram severamente afetadas pela pandemia da Covid-19.
“O mutirão é uma destacada iniciativa do TJMG em prol da eficiência da jurisdição, principalmente para as comarcas do interior. É algo muito importante para oferecer uma resposta social para crimes graves, em especial homicídios, muitos dos quais ocorridos há vários anos e ainda pendentes de julgamento, e aplacar a busca pela justiça dos familiares da vítima, para reforçar o papel repressivo do direito penal, e mesmo para o réu, que, condenado ou absolvido, verá o desfecho do processo no qual ele é acusado”, pontua.
Sophia Machado também ressalta que um júri não é um procedimento simples. “Quem vê a sessão acontecer não imagina o esforço para que tudo esteja devidamente organizado. No Serro, teremos pauta dupla, o que significa duas sessões de julgamento no mesmo dia, às segundas, quartas e sextas, com 19 sessões num único mês. Com isso, a comarca praticamente zerou seu acervo de processos aguardando pauta. A Câmara cedeu o salão para sessões concomitantes com as do Fórum. Juízes cooperadores e promotores estão viajando de suas comarcas para o Serro para colaborar.”
A equipe de Informática do TJMG auxiliou na montagem dos equipamentos no espaço cedido, as equipes locais cumpriram as diligências e conferiram os atos com antecedência e oficiais de justiça entregaram os mandados em 30 dias. “Nos dias de sessão, dividimos a equipe em três grupos, sendo dois para os júris e um para a manutenção das atividades regulares do foro, que seguem normalmente”, conta. Foi idealizada uma logística especial para fornecer alimentação, pois os trabalhos costumam durar um dia inteiro e os envolvidos não podem sair, para garantir a incomunicabilidade entre os jurados e a idoneidade do júri.
Na comarca, a defesa compete a profissionais dativos. “Nós nos reunimos com a OAB local para obter apoio nesse mutirão. Temos advogados que farão múltiplas sessões. Ressalto ainda a importância dos jurados que irão participar, cujo trabalho voluntário, de imensa responsabilidade, permite interlocução entre o Direito, a Justiça e a coletividade”, avalia a juíza.
Açucena
A juíza Larissa Teixeira da Costa, diretora do foro de Açucena, na região do Rio Doce, vai dividir 18 julgamentos com dois cooperadores, os juízes Paulo Sérgio Vidal, da Vara Criminal e da Infância e da Juventude de Coronel Fabriciano, e Rodrigo Braga Ramos, da Vara Cível de Ipatinga. A Vara Única recebe demandas da sede e dos municípios de Belo Oriente e Naque, com cidades e distritos localizados de 6 a 45 km da sede.
“Açucena terá uma pauta bem extensa. A comarca não tem promotor titular, o que também dificulta muito a realização de júris, mas o Ministério Público enviou dois promotores de justiça do último concurso, recém-empossados, para nos ajudar. Temos um passivo expressivo de júris, pois havia uma forte cultura de homicídio na comarca, com vários crimes por mês”, conta.
A magistrada afirma que a equipe se empenhou, desde o início, em regularizar a situação, porém encontrou obstáculos. “Quando cheguei, em 2017, havia mais de 70 casos aguardando o julgamento pelo júri popular. Desde então, já fizemos 70 júris. Permanecem pendentes, entretanto, processos mais antigos, que, infelizmente, não conseguimos julgar sem prejudicar a pauta normal. Inicialmente eram 10 mil feitos, que conseguimos reduzir para aproximadamente 6,7 mil, mas trata-se de uma comarca com acervo volumoso e serviço bastante puxado. Além disso, são quase 150 presos, o que exige muito do magistrado em termos de audiências, acaba não sendo possível focar nos júris.”
Segundo a magistrada, há processos de 2010, 2013, 2009 e 2005. “São feitos antiquíssimos, que estavam parados, passaram pela virtualização e aguardavam a abertura de uma pauta. Normalmente, conduzimos um júri por semana, mas não é suficiente, o volume é absurdo. Agora temos a oportunidade de diminuir a quantidade de processos e dar vazão com mais rapidez aos que vierem. Talvez seja preciso outro mutirão no futuro. Também temos casos que esperam por uma decisão de 2ª Instância e aqueles que, por envolverem réus presos, não preenchiam os requisitos da mobilização atual.”
Para Larissa Teixeira, os desafios e as exigências permaneceram, mas o apoio modifica substancialmente a situação, desafogando a equipe. “Não é uma tarefa fácil: são poucos servidores e, numa comarca tão pequena, é complicado exigir que os jurados venham muitas vezes ao mês ao fórum, pois muitos são autônomos e ficam prejudicados em seus empregos quando param.”
“É preciso ter paciência e parcimônia na hora de deferir eventuais substituições de suplentes e jurados. Está sendo uma loucura, todos os dias recebemos na faixa de dois ou três pedidos de dispensa de jurados, então é preciso balancear muito e avaliar se o motivo realmente autoriza o deferimento, às vezes a indisponibilidade é só para uma data específica e a pessoa pode ser remanejada. Depois temos que verificar com o oficial de justiça se é possível fazer a intimação”, descreve.
De acordo com ela, foi elaborada uma logística própria para o mutirão, pois a cidade é bem pequena. “Para a pauta dupla, conseguimos o apoio da Câmara Municipal e montamos toda a estrutura: uma estagiária de pós-graduação está acompanhando o juiz responsável pelos júris no local, dois oficiais de justiça ficam lá também e mais dois colaboradores ficam à disposição para quaisquer providências necessárias e questões que possam surgir.
“Sorteamos primeiro 60 jurados e depois mais 20, para suprir as substituições. Na semana anterior ao julgamento, conferimos todos os atos, para ver se as pessoas foram intimadas, se há algo a resolver. O júri é um procedimento muito complexo, no qual é preciso garantir que está tudo certo, para não haver prejuízo, pois a ausência de uma intimação ou de um réu que não foi localizado podem pôr tudo a perder”, conta a magistrada.
A juíza ainda ressalta a parceria com a advocacia. “Não temos aqui Defensoria Pública, então contamos com um apoio enorme dos defensores dativos. Alguns já atuam na parte de júri, pois nem todos aceitam o encargo, principalmente em plenário. Conhecemos alguns advogados que já colaboram regularmente com a comarca. O apoio deles não faltou e tem sido primordial para alcançarmos o objetivo.”
Fonte: TJMG