Depois da Constituição, Lei Maria da Penha e outros direitos para as mulheres

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A Constituição de 1988 é um marco jurídico da redemocratização do Brasil e da defesa dos direitos humanos, e, entre outras virtudes, inspirou a criação da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) 18 anos depois, ao passar a tratar a violência doméstica como uma questão de Estado. O texto constitucional foi elaborado após o fim dos 21 anos de ditadura militar, e completa 30 anos este mês.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), outra inspiração da Lei Maior, tem contribuído para garantir o cumprimento dos direitos conquistados com a Constituição Cidadã: instituiu a  Resolução CNJ n. 254/2017,  que criou a Política Judiciária Nacional de enfrentamento à violência contra as Mulheres, e estabeleceu diretrizes voltadas ao Sistema Prisional e de Justiça para garantir atendimento civilizado às presas gestantes e lactantes.   

Para a advogada feminista Leila Linhares Barsted, coordenadora-executiva da Ong Cepia (Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação), que participou da elaboração da Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes, base para o texto constitucional aprovado, a maior parte das normas de proteção aos direitos civis e políticos brasileiros foi elaborada com a Constituição de 88 ou depois dela. A Lei Maria da Penha é um exemplo: sua criação teve como base o parágrafo 8º, do artigo 226 da Constituição Federal.

A participação do movimento feminista organizado e atuante a partir da década de 70 foi fundamental para assegurar a observância de direitos humanos das mulheres. Até então, autores de violência doméstica contra a mulher sequer eram punidos. A violência doméstica era tratada como ofensa de menor potencial, compensada até com distribuição de cesta básica. “Chamado Lobby do Batom, o movimento tinha uma pauta de reinvindicações que já vinha sendo discutida e acabou sendo aceita por 25 das 26 mulheres constituintes. Só Sandra Cavalcanti (UDN, RJ) votou contra. Foi uma grande conquista pelos direitos humanos de todos. Influimos até em outros assuntos, como saúde e educação públicas e reforma agrária”, diz Leila Barsted.

Igualdade

Quem foi jovem nos últimos 40 anos pode não se dar conta das mudanças que essas décadas representaram em relação aos direitos humanos e civis das mulheres no Brasil. Agora, tudo parece muito  natural, mas foi apenas depois da Constituição de 88 que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal passaram a ser exercidos igualmente por homens e mulheres. A mudança legal, apoiada pela transformação cultural, contribuiu para gerar um aumento no número de denúncias de violência contra a mulher em geral e propiciar a visibilização do problema.

Trazer a questão para o debate aberto e institucional foi um dos passos fundamentais que a legislação brasileira conseguiu em relação à violência doméstica. No entanto, o Brasil ainda está longe de se tornar um exemplo de civilidade em relação às mulheres. Tramitam na Justiça quase um milhão de processos envolvendo violência contra a mulher no ambiente doméstico, sendo 10 mil casos de feminicídio.

Dias Toffoli

No âmbito do Poder Judiciário, o CNJ tem se esforçado para conhecer e lidar com o tema e, nos últimos anos, a violência doméstica contra mulheres foi uma das prioridades do órgão. Para o presidente do CNJ,  ministro Dias Toffoli, a mudança iniciada nos movimentos feministas na direção da igualdade precisa resultar em diminuição da violência de gênero.

“A Justiça deve ser eficaz na resposta às vítimas e firme na ação contra os agressores. E as mulheres precisam receber um tratamento adequado quando buscarem ajuda do Estado. A garantia da vida das vítimas vai além do ordenamento jurídico; precisa estar arraigada na consciência e na atitude dos agentes públicos, dos policiais, dos psicólogos, dos magistrados que atenderão toda essa família, já traumatizada pela violência”, afirmou o presidente do CNJ.     

Entre os direitos conquistados pela Constituição de 1988 está a legalização da união estável (art.226, parágrafo 3º), a licença-maternidade remunerada de 120 dias (art. 7º, XVIII), o planejamento familiar passa a ser direito do casal, competindo ao Estado propiciar recursos para o exercício desse direito (art. 226, parágrafo 8º) e a equiparação salarial para homens e mulheres que exerçam a mesma função (art. 7º, XXX). Em relação aos direitos das presas quanto à amamentação de seus filhos (art. 5, art. 6 e art. 227), o CNJ editou a Resolução CNJ n. 252 (4 de setembro de 2018), em que  estabelece princípios e diretrizes para o acompanhamento das mães e gestantes privadas de liberdade nos estabelecimentos penais.

Lei Maria da Penha

O objetivo do CNJ é garantir a promoção da cidadania e a inclusão das mulheres privadas de liberdade e de seus filhos nas políticas públicas de saúde, assistência social, educação, trabalho e renda, de maneira uniforme. Vale salientar que a Lei Maria da Penha também foi uma resposta do governo brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA), que condenou, em 2001, o país por omissão, negligência e tolerância em relação a crimes contra os direitos humanos das mulheres.

O caso da biofarmacêutica Maria da Penha, vítima de duas tentativas de homicídio pelo marido tramitava lentamente na Justiça brasileira, sem sentença definitiva nem prisão do autor. A situação só mudaria após a condenação do Brasil pela corte interamericana. Entre as recomendações feitas pela OEA, o Brasil precisaria finalizar o processamento penal do responsável pela agressão contra Maria da Penha, indenizá-la simbólica e materialmente pelas violações sofridas e adotar políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher.

Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias

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