Os registros documentais da presença da justiça na região onde hoje está o estado de Rondônia, remete-se ao dia 8 de agosto do ano de 1912 com a ata de instalação da comarca de Santo Antônio do Rio Madeira, que pertencia ao Estado do Mato Grosso. Era Juiz o Dr. João Chacon que instalou a comarca e nela exerceu a judicatura até o ano de 1916, quando foi substituído pelo Dr. José Julio de Freitas Coutinho que permaneceu na comarca até o ano de 1923, conforme levantamentos realizados sobre a presença da justiça na região[1] realizados pelo Centro de Documentação História do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, e, publicado pelo Poder Judiciário.
Nesse período os trabalhos que integram o acervo do centro de memória do judiciário rondoniense o apresentam como magistrado extremamente dedicado de vigorosa formação humanista e que prestou um extenso serviço naquela comarca, cujos processos, parte deles acabaram compondo o acervo do centro de memória do TJRO, órgão da Escola da magistratura do estado de Rondônia.
Quando recuperamos e organizamos os documentos das atividades judiciais, o que teve início no ano de 1999, com a criação do centro de memória do poder Judiciário de Rondônia, os documentos preservados e recuperados, em especial da comarca de Santo Antonio das primeiras três décadas do século XX, chamou-nos a atenção o trabalho em especial desses primeiros magistrados, que vieram para uma região tão longínqua quanto inóspita. Causava curiosidade saber quem eram esses juízes que vieram exercer suas atividades na isolada comarca de Santo Antonio. Os processos deixaram registrados seus nomes, seus despachos, suas sentenças, vasto material produzido que possibilita estudos em diversas áreas, mas sobre suas pessoas, os documentos judiciais não deixaram muitas informações, para sabermos de onde vieram, onde obtiveram suas formações profissionais e nem mesmo sobre suas vidas pessoais.
No ano de 2019, durante a realização do Encontro Nacional Juízes Estaduais-ENAJE, que aconteceu na cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná, o então presidente da AMB Dr. Jaime Oliveira, em seu discurso fez uma homenagem aos nomes que foram importantes para a entidade, e mencionou que o magistrado José Julio de Freitas Coutinho foi quem teve a primeira iniciativa no sentido de organizar uma associação representativa da classe, que anos mais tarde gerou a organização da Associação dos Magistrados Brasileiros. Retornando a Porto Velho, revisei os processos do acervo do período já referenciado e percebi que o homenageado era o mesmo juiz José Julio de Freitas Coutinho da Comarca de Santo Antonio. Essas informações encontram-se também registradas no site da AMB em histórico sobre a organização da associação[2].
Curiosa com a homenagem após a constatação de que ao sair de Santo Antonio no ano o que , conforme registros ocorreu após o ano de 1927, quando não mais encontramos sua assinatura nos documentos, o mesmo se transferiu para o estado de Minas Gerais, também na condição de magistrado, e que se aposentou na Comarca de Bonfim naquele estado. Na condição de pesquisadora, sem maiores recursos disponíveis apurei que José Julio de Freitas Coutinho era filho de desembargador homônimo, oriundo de Portugal, com formação em Coimbra, que atuou no Tribunal de Minas Gerais[3], conforme informações que encontramos na internet, em site sobre a genealogia da família. Então instigada pela relevância do personagem revisei o acervo de processos conduzidos e decididos pelo Dr. Julio Coutinho, ou F. Coutinho como normalmente assinava, e, busquei traçar o seu perfil a partir desses processos e pelos seus olhos buscar desenhar a vida sociojurídica daquela comunidade no longínquo período.
Em trabalho por mim publicado, sobre a presença de crianças em situação irregular na Comarca de Santo Antonio do rio Madeira, [4] em que parti da afirmação de Osvaldo cruz de que na região não tinha infantes e que as crianças não atingiam a altura de um sabre, mergulhei no acervo dos processos do período de José Julio, contemporâneo da visita do médico sanitarista a esta região, e, observei um grande numero de processos de adoção, o que me revelou a visão social do magistrado na observância da proteção das crianças órfãs ou desprotegidas contrariando a afirmação do ilustre sanitarista, que concluiu apressadamente com base na sua visão de ambientes formais nas quais só era permitida a presença de mulheres com bebes ou crianças muito pequenas. Observei ainda do conjunto de sua obra a sensibilidade social do seu olhar de magistrado que tinha uma visão humanística muito forte que contrapunha a visão positivista que normalmente os magistrados possuem. Um exemplo desse olhar humano e social que observei foi que o J. Coutinho demonstrava possuir imensa cultura, e grande sensibilidade para lidar com as questões de uma região tão peculiar como era a da Comarca de Santo Antonio do Rio Madeira no período.
Três magistrados do período inicial da judicatura nesta região são de importância extremada e foram um sucedendo o outro imprimindo a marca da presença judiciária nos primeiros tempos. Qual seja, João Chacon e José Julio de Freitas Coutinho em Santo Antônio do Rio Madeira e Pedro Alcantara em Guajará Mirim, quando aquela Comarca absorveu Santo Antonio, o que se deu após o ano de 1929, informações que também podem ser acessadas em artigos e livros publicados pelo Centro de Documentação Histórica do TJRO, disponibilizados na página da instituição e da Escola da Magistratura de Rondônia-EMERON[5] .
Fonte: TJRO